Fulano de tal foi denunciado por infração ao artigo 33, “caput”, da Lei nº 11.343/06, porque segundo a denúncia, ele foi surpreendido mantendo, sob sua guarda, 30 (trinta) pinos plásticos com a substância entorpecente cocaína, 40 (quarenta) com “crack” e 20 (vinte) com maconha, acompanhados de dois sacos plásticos com dezenas de pinos vazios e uma balança de precisão.
Segundo o apurado, policiais militares foram noticiados da prática da traficância no imóvel ocupado pelo indiciado e para lá rumaram, surpreendendo-o após tentativa de fuga. Mediante busca no interior da moradia, encontraram as drogas e os demais objetos acima referidos.
Ainda com a autorização do denunciado, tiveram acesso às mensagens de textos do seu aparelho celular, que indicavam a comercialização de drogas com terceiros em datas variadas.
Recebida a denúncia, na resposta à acusação, a Defensoria Pública alegou a inocência do acusado e arrolou testemunhas.
Em juízo, as testemunhas policiais confirmaram a apreensão das drogas e dos demais objetos nas circunstâncias narradas na denúncia, e as testemunhas defensórias disseram que o acusado era usuário de droga.
No interrogatório, o réu admitiu a posse das drogas, as quais, entretanto, alegou que eram destinadas para uso próprio.
Encerrada a instrução e vencida a fase para pedido de diligências complementares, a defesa requereu a liberdade provisória do acusado, em razão do excesso de prazo procedimental para o qual não deu causa, o que foi deferido pelo juízo, apesar da manifestação desfavorável da acusação.
Após, o representante do Ministério Público requereu a procedência da ação penal nos termos da acusação inicial, ao passo que a defesa buscou a desclassificação para o crime do art. 28 da Lei nº 11.343/06 e, alternativamente, a aplicação do redutor do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 no máximo (2/3), eis que se tratava de acusado primário e não havia nos autos notícia do seu envolvimento anterior com a traficância, com consequente fixação do regime de pena aberto e substituição da pena privativa da liberdade.
Na sentença, o acusado foi condenado, nos termos da imputação inicial, à pena de 6 (seis) anos de reclusão e ao pagamento de 600 (seiscentos) dias-multa, base mínima, sem pagamento das custas processuais. Para tanto, a pena-base foi majorada de 1/5 e afastou-se a aplicação do redutor pleiteado ante as circunstâncias do caso concreto, fixando-se, ainda, o regime de pena inicial fechado à vista de tais circunstâncias.
Deferiu-se o apelo em liberdade.
A defesa apelou tempestivamente da decisão, sustentando, em preliminar, o reconhecimento das seguintes causas de nulidade: ilicitude da prova, eis que houve violação do domicílio do acusado para a apreensão das drogas, sem prévia autorização judicial; ilicitude da prova em razão do acesso às mensagens de textos do aparelho celular do acusado, sem prévia autorização judicial; cerceamento de defesa ante a ausência de instauração de incidente de dependência toxicológica, pois se tratava de acusado usuário de droga.
No mérito, sustentou a fixação da pena-base no piso, o reconhecimento da atenuante da confissão e renovou o pedido para a aplicação do redutor do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 no máximo (2/3), com consequente fixação do regime de pena aberto e substituição da pena privativa da liberdade.
Recebido o recurso e transitada em julgada a decisão para a acusação, os autos foram remetidos ao Ministério Público.
COMO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO, ELABORE AS CONTRARRAZÕES DE RECURSO, ANALISANDO DE FORMA FUNDAMENTADA AS TESES SUSTENTADAS PELA DEFESA, BEM COMO EVENTUAIS PEDIDOS RESULTANTES DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO. DISPENSA-SE A ELABORAÇÃO DO RELATÓRIO.
Considere os seguintes textos de apoio e, sinteticamente, responda:
TEXTO 1
“A construção da realidade jurídica decorre essencialmente da intervenção discursiva do operador do Direito, que relaciona os dados da realidade natural à linguagem que se expressa no direito positivo. No contexto de uma teoria comunicativa do crime, é o observador ativo [...] que realiza a distinção linguística do que deva ser considerado um fato penalmente relevante. O comportamento humano não é um dado natural que deva ser necessariamente reconhecido como penalmente típico.
É a distinção de quem o observa como tal que permite a atribuição da tipicidade para a conduta examinada. O juízo positivo de adequação da conduta examinada ao tipo penal incriminador é mais um problema de compreensão de seu significado do que de subsunção. [...]
Na perspectiva significativa, o sentido que é atribuído às condutas examinadas é determinado pelas regras jurídicas que se firmam pelo uso que adquirem no ambiente social. A expressão de sentido que as condutas materializam não decorre das intenções que os sujeitos que a realizam pretendem expressar, mas do significado que socialmente se atribua ao que fazem. Desta forma, por não firmar o núcleo da ação na intencionalidade de quem a realiza, o paradigma significativo consegue explicar racionalmente a responsabilização dos crimes culposos.” (apud GALVÃO, Fernando. Direito Penal. Parte Geral. 6. ed. Belo Horizonte: D’Placido, 2015, pág. 240-241)
TEXTO 2
“[...] se a conduta tem sua existência projetada no campo da prática social e no processo de comunicação daí inferido, é também irrelevante exigir-se sua vinculação necessária a determinado fim. [...] Relevante é que a ação só pode ser caracterizada como conduta humana quando se insira conscientemente em uma prática social, quer dizer, quando se vincule conscientemente a um objeto de referência dentro de um processo de comunicação, ou seja, que se subordine a determinadas regras. Deste modo, será possível a integração entre atividade e objetos de referência concretos, isto é, entre a ação de dirigir um automóvel, por exemplo, e as regras de trânsito e os demais transeuntes. [...]
[...] torna-se impossível conceber uma atuação volitiva sem uma regra que lhe corresponda, porque, na prática social, os comportamentos não se orientam segundo a produção de um resultado, mas segundo sua avaliação normativa, ou seja, no direito penal, segundo a lesão ou o perigo de lesão a bens jurídicos.” (TAVARES, Juarez. Teoria do crime culposo. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 214-215).
Tomando-se por referência o método de imputação objetiva sistematizado a partir do modelo funcional, pergunta-se, quanto à estruturação da responsabilidade por infrações penais culposas:
a) Qual a relação existente entre “infração à norma regulamentar” e “ofensa ao dever de cuidado”?
b) Como essa perspectiva teórica pode influenciar, na prática forense, a técnica processual de descrição dos fatos na denúncia?
(20 Linhas)
(2,0 Pontos)
Explique, de forma fundamentada, se é cabível o reconhecimento do benefício do arrependimento posterior nos crimes culposos violentos.
(15 Linhas)
(2,0 Pontos)
Numa comarca deste Estado, ofereceu o Ministério Público denúncia contra um réu, de nome João.
Dizia a inicial acusatória que, (a) por achar-se descontente com o fato ter sido delatado à polícia por um vizinho (de nome Cláudio), que o apontou como traficante, João se dirigiu à porta da casa daquele, postou-se atrás de uma caçamba de recolhimento de entulho e, ao vê-lo sair, à sorrelfa, efetuou em sua direção múltiplos disparos de arma de fogo, com a finalidade de causar-lhe a morte.
Imediatamente após, convencido de que tinha alcançado seu objetivo, João começou a correr, sendo, porém, perseguido por policiais que se achavam nas proximidades, os quais logo o alcançaram e o prenderam; mas, por mais que procurassem, não localizaram a arma utilizada.
No entanto, submetendo João à busca pessoal, (b) arrecadaram em seu poder pequena porção de cocaína, o que fez com que os policiais, suspeitando que fossem encontrar mais, se dirigissem à casa dele, onde apreenderam expressiva quantidade da mesma droga, tudo evidenciando que não podia ser destinada apenas ao seu consumo.
Também dizia a denúncia, em que foram descritos e capitulados os fatos acima (“a” e “b”), que Cláudio não morreu, pois recebera imediato e providencial socorro de vizinhos.
Tais os fatos que ensejaram o processo. Ao fim da primeira fase da persecução processual, proferiu o juiz sentença, remetendo o processo ao Tribunal do Júri, por reconhecer que João efetivamente efetuara disparos contra Cláudio com o fim de matá-lo, concluindo, contudo, que não havia provas que demonstrassem, de modo seguro, qual tinha sido o motivo do crime, nem tampouco que sua execução tinha ocorrido na forma descrita na exordial.
Além disso, ao perceber que a persecução penal havia sido encetada, em relação ao fato “b”, sem laudo definitivo relativo à substância apreendida em casa de João (e em suas vestes), o juiz o absolveu sumariamente, reforçando sua fundamentação com a afirmada ilicitude da busca e apreensão.
Da sentença foi intimado o Ministério Público no dia (útil) 4 de novembro, uma segunda-feira, esgotando-se o seu prazo recursal sem manifestação de inconformismo.
Ocorre que, tomando conhecimento da sentença, Cláudio, que não havia se habilitado no processo como assistente, contratou advogado, que manejou recurso de apelação em 21 daquele mês, arrazoando-o, contudo, somente 30 (trinta dias) após ter recebido os autos para fazê-lo.
Recebido o processo para manifestação, você, que acabou de assumir a titularidade na comarca, examinou-o, constatando que o ofendido, no recurso, reclama que seja o acusado submetido a julgamento, pelo órgão competente, pela integralidade dos fatos descritos na denúncia.
Elabore a manifestação adequada, dispensado o relatório, esclarecendo se o recurso deve ser conhecido ou não, se deve ser provido ou não, e em quê, apresentando os respectivos fundamentos.
(60 Linhas)
(4,0 Pontos)
Encerrados os debates orais na audiência de instrução e julgamento, o Magistrado analisa o contexto probatório e, sem modificar a descrição fática contida na denúncia, atribui ao fato definição jurídica diversa, sem pronunciar-se pela condenação ou absolvição.
Responda de forma sucinta as questões abaixo, indicando expressamente os dispositivos legais pertinentes (não é necessária a transcrição):
a) Mesmo que não seja competente para o processo e julgamento da infração, deve ele proferir imediatamente a sentença, em face do princípio da perpetuação da jurisdição? (0,25 Ponto)
b) Ainda que cabível a transação penal ou a suspensão condicional do processo, o Juiz deverá proferir a sentença, pois o encerramento da instrução criminal constitui óbice à concessão desses benefícios? (0,25 Ponto)
c) Mesmo que discorde da nova classificação da infração efetuada pelo Magistrado em audiência, o Promotor de Justiça deverá propor a suspensão condicional do processo, se preenchidos os requisitos previstos no artigo 89, da Lei nº 9.099/1995? (0,25 Ponto)
d) Se a desclassificação da infração tivesse ocorrido após julgamento pelos cidadãos jurados (por exemplo, acusado por tentativa de homicídio simples, os jurados reconhecem que o acusado perpetrou lesão corporal grave), logo após ser anunciada a decisão do Conselho de Sentença, e o acusado fosse primário e portador de bons antecedentes, deve o Promotor de Justiça oferecer imediatamente a proposta de suspensão condicional do processo, mesmo discordando da desclassificação realizada? (0,25 Ponto)
(30 Linhas)
(1,0 Ponto)
Juliano chegou a um posto de combustíveis conduzindo a sua motocicleta. O combustível estava no final e, já com a intenção de cometer um ilícito, dirigiu-se ao frentista, solicitando que completasse o tanque da motocicleta com gasolina, ficando a despesa em R$ 42,00 (quarenta e dois reais).
Juliano é portador de diversos antecedentes criminais e reincidente na prática de crimes contra o patrimônio.
Após o frentista encher o tanque, Juliano disse que compraria uma garrafa de água mineral. Quando o funcionário do posto se distraiu, Juliano saiu com sua motocicleta sem pagar pelo combustível.
Diante do fato narrado, responda às seguintes indagações:
a) Como Promotor de Justiça com atribuição para atuar no caso relatado, após receber a peça investigatória, seria o caso de oferecer denúncia, especialmente considerando o aspecto da tipicidade material da conduta? (0,25 Ponto)
b) Qual a infração penal eventualmente praticada? (0,25 Ponto)
c) Diferencie os crimes de furto mediante fraude, apropriação indébita e estelionato. (0,5 Ponto)
(30 Linhas)
(1,0 Ponto)
Discorra sobre o seguinte tema: “Cumplicidade através das ações neutras”. Deve o candidato abordar, ao longo de sua resposta:
a) A definição de ações neutras (0,5 Ponto);
b) A posição de Luís Greco e sua teoria para solucionar a questão (0,5 Ponto);
c) A solução ao “famoso caso do taxista” – que leva o passageiro a determinado local, mesmo tendo ciência de que ele, passageiro, irá matar alguém, como de fato mata – conforme a teoria proposta por Luís Greco, devendo fundamentar a resposta (0,5 Ponto).
(30 Linhas)
(1,5 Pontos)
Foi instaurado inquérito policial para investigar suposto “esquema de corrupção” na Câmara Municipal de uma pequena cidade no interior do Estado de Goiás, sendo apurado que determinado Vereador praticava a conduta conhecida popularmente como “rachadinha”, por ter contratado um conhecido seu para exercer um cargo em comissão em seu gabinete, mas ficava com 50% do salário, valor este que lhe era devolvido em espécie pelo próprio servidor contratado.
Em diligência na referida cidade do interior de Goiás, um Agente da Polícia Civil que atuava na investigação, na companhia de um Policial Militar vinculado ao Estado de Minas Gerais, amigo seu e que estava fardado, muito embora estivesse de folga, foram até a residência do Vereador investigado, sendo atendidos por sua esposa, que afirmou que seu marido não se encontrava em casa, estando em viagem.
Em seguida, ambos, que portavam armas de fogo de suas respectivas instituições/corporações, retiraram-na de casa e, um aderindo a conduta do outro, espancaram-na com grande violência, causando-lhe intenso sofrimento físico e a todo tempo gritavam com ela para que dissesse onde estava seu marido, o Vereador investigado, tendo após certo tempo a esposa do Vereador, já bastante machucada, dito que seu marido estava na rua de trás, na casa de um parente.
No entanto, os Policiais não lograram êxito em localizar o Vereador.
Posteriormente, o Vereador se apresentou à Autoridade Policial, acompanhado de Advogado, ocasião em que foi interrogado, tendo dito que não cometeu qualquer crime e que não via problema em receber parte do salário de seu servidor, que, aliás, foi por ele contratado, já que aquele, seu servidor, repassava-o certa quantia em dinheiro (50% de seu salário) de forma voluntária, de modo que, quando muito, sua conduta de receber tal verba poderia ser considerada no máximo imoral.
O Vereador esclareceu, ainda, que usava a verba que recebia de seu servidor comissionado para aquisição de bens pessoais.
Diante da situação hipotética narrada acima, analise fundamentadamente os itens abaixo, devendo ser mencionada eventual divergência doutrinária e/ou jurisprudencial, caso existente:
a) A conduta do vereador em receber parte do salário de seu servidor comissionado (“rachadinha”) configura algum crime? (0,7 Ponto)
b) Qual o Juízo competente para o julgamento do crime praticado pelos policiais? Observação: Na resposta deste item deve o candidato desconsiderar eventual abuso de autoridade praticado pelos Policiais. (0,8 Ponto)
(40 Linhas)
(1,5 Pontos)
Carlos e Manoel foram denunciados por homicídio qualificado, praticado no final do ano de 2018. O processo recebeu normal impulso, com o recebimento da denúncia pelo Magistrado e citação dos acusados para apresentação de resposta no prazo legal.
Todavia, durante a instrução do processo, foi trazida prova aos autos da prática, pelo acusado Carlos, de crime de receptação conexo com o crime contra a vida, tendo o representante do Ministério Publico deliberado pelo aditamento à denúncia. A peça também foi recebida pelo Magistrado.
a) Como a doutrina classifica esse tipo de aditamento? Esclareça as espécies trazidas pela doutrina sobre o aditamento à denúncia. Como se dará a contagem do prazo prescricional e sua interrupção para os delitos em apuração nos autos? (1,0 Ponto)
b) ao efetuar o referido aditamento, deve o Promotor de Justiça atender aos “Sete W dourados da criminalística”? Oriunda da doutrina alemã, qual a relevância dessa fórmula para o processo penal brasileiro? (0,5 Ponto)
(30 Linhas)
(1,5 Pontos)