A imparcialidade do magistrado é uma das bases nas quais se assenta toda a estrutura do Estado de direito e do monopólio do uso da força pelo Estado. O direito à imparcialidade judicial decorre justamente da segurança jurídica e tem, como contraface, o dever do magistrado no mesmo sentido. Sem a imparcialidade, ruiria o pressuposto no qual se apoia o Estado de direito, que é o monopólio do uso da força no interesse da sociedade. Sem a imparcialidade, assistir-se-ia a um retrocesso aos modelos de domínio baseados na vontade individual arbitrária e imprevisível, próprio das monarquias medievais. André Ramos Tavares. Manual do poder judiciário. São Paulo: Saraiva, 2012.
Considerando o assunto abordado no texto precedente, discorra sobre os seguintes aspectos acerca da imparcialidade do magistrado:
1 - Dimensões subjetiva e objetiva da imparcialidade na doutrina e na jurisprudência do STF; [valor: 0,50 ponto]
2 - Conceito e origem moderna da noção de neutralidade e sua diferença em relação à imparcialidade; [valor: 0,50 ponto]
3 - Dimensões do princípio constitucional do juiz natural e sua relação com a imparcialidade; [valor: 0,68 ponto]
4 - Garantias, vedações e impedimentos previstos na Constituição Federal de 1988 para preservar a imparcialidade. [valor: 0,67 ponto]
Sofia, de cinco anos de idade, vivia com seus pais, Paulo e Carol, em um vilarejo conhecido pelo movimento do tráfico de drogas. Os pais de Sofia são usuários de drogas e constantemente a expunham a situações de risco, em razão da drogadição. Um dia, sob efeito de drogas e atormentada, Carol abandonou Sofia em frente a uma instituição de acolhimento local. A instituição acolheu a criança, mesmo sem determinação judicial, e procedeu imediatamente à comunicação do fato ao juízo da infância e da juventude da respectiva comarca.
Considerando a situação hipotética apresentada, discorra sobre as próximas medidas que devem ser tomadas pela autoridade judiciária, pela instituição de acolhimento e pelo Ministério Público, abordando, necessariamente, o princípio da convivência familiar e o procedimento a ser adotado nas hipóteses de possibilidade e de impossibilidade da reintegração familiar de Sofia.
Uma indústria fabricante de cimento foi responsável por acidente que contaminou um rio de determinado estado da Federação. Em razão do acidente, vários habitantes dos municípios afetados Z e W ficaram sem abastecimento de água. Ante o dano coletivo causado, o Ministério Público do estado propôs ação civil pública contra a indústria e o município Z, responsável pelo licenciamento ambiental do referido empreendimento. O objetivo da ação era buscar a reparação dos danos morais e materiais causados pelo acidente. O juízo escolhido pelo Ministério Público foi o do município Z. Para provar suas alegações, o promotor solicitou ao juízo a realização de perícia para quantificar o dano local gerado.
Considerando a situação hipotética apresentada, redija um texto respondendo, de forma justificada, aos questionamentos que se seguem.
1 - O juízo mencionado tem competência para julgar a ação civil pública proposta? (0,50 Ponto)
2 - De que tipo é a responsabilidade civil pelos danos ambientais em questão? Qual teoria embasa esse entendimento, conforme o STJ? (0,65 Ponto)
3 - Caso a indústria fabricante de cimento se negue a adiantar os honorários periciais, quem deverá arcar com a exigência do seu depósito prévio, segundo o entendimento do STJ? (1,20 Pontos)
Renata, com quatorze anos de idade, devidamente representada em juízo na forma do art. 71 do CPC, ajuizou ação em desfavor de Carlos, solicitando (i) o reconhecimento de sua paternidade e (ii) indenização por danos morais, no valor de oitenta mil reais, em razão de abandono (material e(ou) afetivo) praticado pelo réu.
De acordo com a petição inicial, a mãe de Renata, Mariana, e Carlos eram namorados na época em que ela engravidou dele; ao saber da gravidez, Carlos desapareceu imediatamente, tendo apenas informado a Mariana que não se sentia preparado para ser pai. Durante a gravidez de Renata, Mariana se casou com Maurício, que registrou Renata como sua filha. Na exordial, Renata informou ter sido criada por Mariana e Maurício, que ficaram casados por doze anos, até o falecimento de Maurício. Meses após o ocorrido, Renata e sua mãe tiveram conhecimento do paradeiro de Carlos. Assim, para comprovar suas alegações, Renata realizou a juntada de prova documental e requereu a produção de prova testemunhal, para demonstrar fatos referentes às circunstâncias e à gravidade do dano moral sofrido, bem como a produção de prova pericial, consubstanciada em exame de DNA, para comprovar a relação de paternidade.
A ação foi distribuída para a 1.ª Vara Cível da Comarca X do Poder Judiciário do Estado do Ceará.
Devidamente citado na ação, Carlos, em sua breve defesa, alegou que Renata era filha de Maurício, conforme comprovado pelo registro de nascimento e que, portanto, os pedidos deveriam ser julgados improcedentes. Embora tenha reconhecido que teve uma relação estável de namoro com Mariana quando ela engravidou, Carlos informou que se recusaria a realizar exame de DNA, sob o argumento de que o ordenamento brasileiro proíbe a dupla filiação e a autora não tomou nenhuma medida para desconstituir ou anular sua filiação socioafetiva.
Após o devido trâmite processual, o magistrado prolatou decisão interlocutória com julgamento antecipado parcial de mérito, tendo julgado procedente o pedido de reconhecimento de paternidade, com todos os efeitos jurídicos daí decorrentes, e postergou o exame do dano moral em razão da necessidade de realização de audiência de instrução e julgamento para produção de prova oral para obter elementos necessários à valoração do dano moral decorrente do abandono. Dessa decisão, foram intimadas as partes e o Ministério Público, não tendo sido interposto recurso no prazo legal.
Posteriormente e antes da realização de Audiência de Instrução e Julgamento, Carlos peticionou em juízo requerendo:
1 - A nulidade do processo em razão da falta de manifestação do Ministério Público, tendo sido demonstrado que, embora tenha sido intimado, o membro do Ministério Público não se manifestou nos autos antes da referida decisão interlocutória;
2 - A revogação, a reconsideração ou a desconstituição da decisão que reconheceu a paternidade porque, como fora já alegado na contestação, o ordenamento brasileiro proíbe a dupla filiação e a autora nem sequer tomou medida para desconstituir a paternidade de Maurício;
3 - O esclarecimento de que, na hipótese de rejeição do pedido anterior, subsidiariamente, o reconhecimento não poderia ter efeitos sucessórios, até em razão da ausência de outros herdeiros de Maurício no processo, que não poderiam ser prejudicados pela decisão judicial;
4 - A não realização da Audiência de Instrução e Julgamento — quanto ao pedido de danos morais por abandono material e(ou) afetivo —, em razão da impossibilidade jurídica deste pedido, devendo, assim, ser prolatada, segundo seu entendimento, sentença terminativa quanto a esse ponto.
Em razão das alegações realizadas por Carlos, e após manifestação da parte autora, que apenas requereu o prosseguimento do feito, o magistrado determinou a intimação do Ministério Público, na forma do art. 179, inciso I, do CPC.
Na condição de promotor de justiça, elabore a peça judicial cabível, enfrentando, em observância ao princípio da eventualidade, todos os aspectos de direito material e processual pertinentes aos requerimentos e alegações trazidas pelo réu. Dispense o relatório, não crie fatos novos e fundamente sua resposta, sempre que necessário, na legislação e na jurisprudência do STJ e do STF.
Na avaliação da questão prática, ao domínio do conteúdo serão atribuídos até 10,00 pontos, dos quais até 0,50 ponto será atribuído ao quesito apresentação (legibilidade, respeito às margens e indicação de parágrafos) e estrutura textual (organização das ideias em texto estruturado).
Em determinada operação policial acompanhada por um membro do Ministério Público estadual, cinco pessoas foram presas e conduzidas à delegacia de polícia competente. Em uma das inquirições, o policial e o membro do Ministério Público torturaram o preso, fato que se tornou conhecido e objeto de investigação. Ao final dessa investigação, os autores da tortura (o policial e o membro do Ministério Público estadual) tornaram-se réus em ação criminal e em ação de improbidade administrativa.
Considerando a situação hipotética apresentada, redija um texto respondendo, de forma justificada e fundamentada na legislação vigente e no entendimento jurisprudencial pertinente, aos seguintes questionamentos.
1 - Em qual tipo de ato de improbidade administrativa a tortura praticada nesse caso se enquadra? Esse tipo admite a modalidade culposa? (1,00 Ponto)
2 - O membro do Ministério Público poderá ser processado e julgado pelas instâncias ordinárias em ação de improbidade administrativa? (0,35 Ponto)
3 - A quais penas o membro do Ministério Público estará sujeito se for condenado pelo ato de tortura como improbidade administrativa? (1,00 Ponto)
No que se refere a desapropriação indireta, redija um texto atendendo, de forma fundamentada, ao que se pede a seguir.
1 - Discorra sobre o conceito de desapropriação indireta. (0,75 Ponto)
2 - Indique o juízo competente para processar e julgar ação de desapropriação indireta, segundo entendimento do STJ. (0,75 ponto)
3 - Responda se há necessidade da intervenção automática do Ministério Público nas ações de desapropriação indireta, de acordo com o entendimento do STJ. (0,85 Ponto)
No dia 20/09/2019, Marinalva, nascida em 10/08/1982, e Graciane, nascida em 15/11/2005, compareceram à Promotoria de Justiça de Quixadá para prestar depoimento contra Juca, apelido de João Carlos Silva, brasileiro, nascido em Fortaleza – CE, em 08/07/1955. Em seus depoimentos, Marinalva e Graciane narraram que eram adeptas de uma seita religiosa e que viviam em uma comunidade na zona rural de Quixadá, na Fazenda Campos Altos. Informaram que o líder da seita, Juca, havia praticado com ambas atos libidinosos, que consistiam na prática de sexo oral, por inúmeras vezes, entre maio e setembro de 2019, na Fazenda Renascer, sede do templo, vizinha à Fazenda Campos Altos.
Questionadas sobre como ocorreram os fatos, ambas as vítimas informaram que o líder da seita não as forçava ao ato, mas aduzia que elas só encontrariam a salvação espiritual caso se sujeitassem às práticas libidinosas, que ocorriam quase todas as terças-feiras, após o culto no templo. As vítimas se dirigiram ao Ministério Público depois de terem descoberto que os atos haviam sido gravados pelo líder e que todo o material supostamente estava na sede do templo. Instaurado inquérito policial, apurou-se que os fatos narrados pelas vítimas eram verdadeiros, o que motivou pedido de busca e apreensão, deferido judicialmente. Em 12/02/2020, foi realizada a busca e apreensão, tendo sido encontradas, na última gaveta da cabeceira da cama de Juca, as mídias com a gravação dos atos libidinosos praticados com as duas vítimas. Os policiais que realizavam as diligências questionaram os funcionários do templo sobre o líder da seita e foram informados que, quando a polícia entrou na fazenda, Juca havia arrumado suas coisas rapidamente e partido para destino desconhecido. Sem a localização de Juca, o inquérito foi relatado e encaminhado ao Ministério.
Considerando essa situação hipotética, ofereça, na condição de promotor de justiça, denúncia com a relativa cota de eventuais pedidos a serem feitos para o juiz.
Na avaliação da questão prática, ao domínio do conteúdo serão atribuídos até 10,00 pontos, dos quais até 0,50 ponto será atribuído ao quesito apresentação (legibilidade, respeito às margens e indicação de parágrafos) e estrutura textual (organização das ideias em texto estruturado).
No que se refere ao controle de constitucionalidade difuso no Brasil, atenda, de forma fundamentada, ao que se pede a seguir.
1 - Apresente as características gerais do controle difuso. (0,75 Ponto)
2 - Responda se é viável a modulação dos efeitos da decisão em controle difuso, justificando sua resposta. (0,50 Ponto)
3 - Aborde a cláusula de reserva de plenário, indicando sua previsão constitucional e respondendo, de forma justificada, se ela é aplicável aos juizados especiais. (0,50 Ponto)
4 - Discorra sobre a participação do Senado Federal no controle difuso. (0,60 Ponto)
Na avaliação de cada questão teórica, esses valores corresponderão a 2,50 pontos e 0,15 ponto, respectivamente.
Ao registrar ocorrência policial de um caso de violência doméstica e familiar contra a mulher, o delegado de polícia tomou ciência de que o agressor tinha registro de porte de arma de fogo. A vítima solicitou providências específicas em relação a esse fato. O caso foi comunicado pelo delegado ao juízo competente.
A respeito dessa situação hipotética, redija um texto respondendo, de forma justificada, aos seguintes questionamentos.
1 - Quais providências devem ser tomadas pelo delegado de polícia e pelo juiz? (2,00 Pontos)
2 - Há necessidade de manifestação do Ministério Público para a concessão de medidas protetivas de urgência para a vítima? (0,35 Ponto)
Na avaliação de cada questão teórica, esses valores corresponderão a 2,50 pontos e 0,15 ponto, respectivamente.
Proferir sentença com base nos elementos contidos no texto a seguir, observando o disposto no artigo 381 e seguintes do Código de Processo Penal. Como a prova não deve ser identificada pelo candidato, a sentença deve ser assinada pelo Dr. Hiperião Gaia, Juiz de Direito.
TEXTO. Juliano Acrísio, qualificado nos autos, foi denunciado por infração ao artigo 157, § 3º , parte final, c. c. o artigo 14, inciso II, por duas vezes, na forma do art. 70, todos do Código Penal, porque:
I - Em 24 de dezembro de 2016, por volta de 07h00min, na Avenida Corrientes, no 3.333, bairro Ayrton Senna, situado nesta cidade e Comarca de Rio Branco, previamente ajustado e com unidade de desígnios com outro indivíduo não identificado, tentou subtrair para proveito comum uma bicicleta avaliada em R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais), em desfavor da vítima Luciano Silva, e uma bicicleta avaliada em aproximadamente R$ 7.000,00 (sete mil reais), pertencente à vítima João Eurípedes, ambas as condutas praticadas mediante grave ameaça e violência exercidas com emprego de arma de fogo, em razão das quais apenas não houve lesão ou morte da vítima Luciano Silva por circunstâncias alheias à vontade dos agentes.
II - Na ocasião, as vítimas trafegavam com suas bicicletas pela via pública, quando foram abordadas por dois indivíduos, o acusado Juliano e um comparsa não identificado, que se aproximaram em uma motocicleta e exigiram a entrega das bicicletas das vítimas. Diante da ameaça, a vítima Luciano, policial militar que estava descaracterizado, sacou sua arma para impedir a ação delitiva, momento em que os agentes criminosos perceberam a reação da referida vítima e Juliano desferiu um disparo contra ela, atingindo-a na região abdominal. Em seguida, Luciano foi socorrido pela vítima João e por moradores do local, enquanto os roubadores se evadiram sem levar as bicicletas das vítimas.
Durante a investigação, a Polícia Civil recebeu denúncias anônimas no sentido de que dois indivíduos, um dos quais com endereço conhecido e descrito, estariam conduzindo uma motocicleta pela região para praticar roubos a transeuntes. Em face das informações, os policiais diligenciaram no logradouro mencionado, encontraram o acusado Juliano em frente à residência e o conduziram ao Distrito Policial, onde as duas vítimas o reconheceram sem sombra de dúvidas como um dos coautores do crime e, notadamente, aquele quem desferiu o disparo de arma de fogo.
Consta do inquérito policial e do processo criminal:
A) As declarações da vítima Luciano Silva, em que afirmou reconhecer fotograficamente o denunciado como autor do delito, quem anunciou o assalto e desferiu o disparo de arma de fogo contra ela, acompanhadas pelo devido auto de reconhecimento fotográfico positivo.
B) As declarações da vítima João Eurípedes, segundo as quais reconheceu fotograficamente o denunciado como aquele autor do delito quem anunciou o assalto e desferiu o disparo de arma de fogo contra a vítima Luciano, acompanhadas pelo devido auto de reconhecimento fotográfico positivo.
C) Os dois autos de reconhecimentos pessoais positivos realizados pelas vítimas Luciano e João, segundo os quais ambas descreveram fisicamente o autor do delito que desferiu o disparo de arma de fogo e, após, em sala especial de reconhecimento em que se encontravam outros 04 (quatro) indivíduos, ambas o indicaram como o acusado Juliano.
D) O laudo de lesão corporal indireto da vítima Luciano Silva, realizado em 22 de outubro de 2017, a atestar que ela passou por internação hospitalar, com início de 24 de dezembro de 2016, para tratamento de ferimento abdominal provocado por arma de fogo, em face do qual foi submetido a cirurgia abdominal com ressecamento intestinal.
E) O laudo pericial e o auto de entrega da arma que a vítima Luciano trazia consigo, em face da condição de policial militar descaracterizado que ostentava.
F) O laudo pericial do local dos fatos, a demonstrar a presença de fragmentos de um carregador de arma de fogo na via pública, bem como gotejamentos de substância hematoide no passeio público em que se deram os fatos, acompanhado das imagens pertinentes.
G) O interrogatório do acusado, segundo o qual negou a prática dos atos que lhe foram imputados na denúncia, alegando que, na ocasião, estava impossibilitado de se locomover em decorrência da realização de uma cirurgia que não foi bem sucedida, circunstâncias em que teve que ficar em casa para se recuperar até o fim daquele ano. Esclareceu ter sido vítima de uma tentativa de homicídio em junho de 2016, em decorrência da qual permaneceu internado no Hospital Cachoeirinha por dois meses e, após alta, precisou passar por outra cirurgia, em setembro de 2016, após o que permaneceu em sua residência.
H) Os depoimentos dos policiais militares que foram chamados a atender a ocorrência. Com o desenrolar das investigações, o acusado teve a prisão preventiva decretada, cujo mandado foi integralmente cumprido em 08 de maio de 2018.
Recebida a denúncia, o acusado foi citado e, durante a instrução, foram ouvidas as partes arroladas em comum pelo Ministério Público e pela Defesa, a saber, as duas vítimas e um dos policiais militares que foram chamados a atender a ocorrência, o qual prestou depoimento na cidade Assis Brasil, por meio de Carta Precatória expedida àquela Comarca.
O despacho que determinou a oitiva da testemunha por Carta Precatória na Comarca de Assis Brasil foi publicado no Diário Oficial do Estado para intimação da defesa. Contudo, em face da ausência do causídico constituído pelo acusado para acompanhar a referida assentada, o juízo deprecado nomeou defensor ad hoc para assistir o acusado naquele ato processual.
Ao ser ouvido em Juízo, o acusado manteve a negativa para os fatos descritos na denúncia e reiterou a versão apresentada em fase policial, ao alegar que havia sido vítima de disparo de arma de fogo em uma chacina em 24 de junho de 2016, em decorrência da qual ainda usa uma bolsa de colostomia. No que tange ao dia da abordagem policial, o acusado relatou que os milicianos ingressaram a sua residência, imputando-lhe o roubo de uma motocicleta ocorrido no dia 24 de dezembro de 2016 e, após, afirmaram que ele havia atirado em um amigo deles, ao que o acusado destacou ter explicado que estava recém-operado e, assim, impossibilitado de praticar qualquer crime de roubo. O acusado confirmou ter sido apresentado para reconhecimento pessoal da vítima, junto a outros policiais militares bem arrumados, a despeito do que escutou claramente o ofendido afirmar que não havia sido ele o autor do roubo, momento em que determinaram com truculência que ele saísse da sala sob a alegação de que a vítima estaria com medo dele. Ressaltou, ainda, que não teve qualquer envolvimento com esse delito de latrocínio e tampouco tem conhecimento de quem o tenha feito, acrescentando que, à época do delito, passava por consultas médicas mensais no hospital, para tratamento das complicações que teve na sutura da cirurgia e, assim, não possuía qualquer condição de praticar um roubo ou subir em uma motocicleta. Por fim, esclareceu que desconhece as vítimas, do mesmo modo que também não conhecia os policiais militares envolvidos na abordagem até o momento em que eles ingressaram a sua residência.
As duas vítimas, Luciano Silva e João Eurípedes, foram levadas à sala especial de reconhecimento, onde ambas indicaram o acusado Juliano como autor do delito, sob a égide do contraditório, de modo a confirmar o reconhecimento pessoal prestado na Delegacia de Polícia.
O ofendido Luciano esclareceu em Juízo que pedalava a sua bicicleta do lado direito da via, junto ao amigo João, até que, decorridos cerca de vinte minutos, percebeu o som de uma motocicleta se aproximando, momento em que olhou e conseguiu notar, pois estava do lado esquerdo de João e, portanto, mais exposto, que havia duas pessoas na motocicleta, bem como que o acusado que estava na garupa carregava uma arma de fogo, em seguida ao que ouviu algo como “passa a bike” ou “dá a bike” (sic) e de imediato soube se tratar de um roubo. A vítima destacou que, ato contínuo, tentou sacar a sua arma de fogo, mas foi surpreendida pelo disparo efetuado pelo acusado, pelo qual foi atingido e, ao perder o controle da bicicleta, caiu ao solo, momento em que a sua arma provavelmente bateu com o carregador no chão e veio a se quebrar. Em seguida, narrou ter percebido que os agentes criminosos fugiram e, após, notado que saía sangue do seu abdômen, motivo pelo qual pediu para João chamar uma ambulância, no entanto, como ele ficou em choque, um morador local se aproximou e perguntou se ele queria que o socorresse, no que foi colocado no veículo dele e levado ao hospital, onde passou por cirurgia e ficou internado por três dias na UTI, decorridos os quais foi transferido ao Hospital da Polícia Militar, onde permaneceu internado por mais oito dias. Sobre o reconhecimento prestado, pormenorizou que, no momento do as- salto, o acusado que detinha a arma de fogo em punho estava com a viseira do capacete levantada, de modo a revelar o rosto do queixo até a testa, motivo pelo qual conseguiu reconhecê-lo nitidamente no momento que lhe foram apresentadas as fotografias para reconhecimento, pois o retratava fielmente.
O ofendido Luciano recordou-se, ainda, que o disparo de arma de fogo foi direcionado a ele, pois estava do lado esquerdo e, ainda, porque foi ele quem sacou a arma para reagir. Contudo, como estava muito próximo ao seu colega João, não tem como precisar se o roubo visava atingir somente ele ou ambos. Por fim, esclareceu ter sido procurado pelos policiais da Corregedoria que lhe exibiram algumas fotografias, com base nas quais procedeu ao primeiro reconhecimento do acusado.
A vítima João Eurípedes, por sua vez, afirmou em Juízo participar de um grupo de ciclismo com a vítima Luciano, com o qual estava pedalando a caminho do encontro de outro colega, em velocidade consideravelmente alta, quando ouviu uma motocicleta se aproximar e, logo depois, alguém exigir claramente “dá a bike”. O ofendido explicou que, como estava na parte interna da pista, olhou para a sua esquerda e viu o acusado Juliano na garupa da motocicleta efetuar o disparo contra Luciano, no momento em que ele sacava a sua arma de fogo, logo após o que o acusado e um segundo agente criminoso não identificado se evadiram do local. Em ato contínuo, relatou ter percebido que Luciano estava ferido, momento em que um morador daquela via se ofereceu para prestar socorro em seu automóvel e, assim, conduziram-no ao hospital, escoltados por uma viatura policial que chegou ao local após alguns minutos. A vítima ressaltou que conseguiu visualizar o rosto do acusado, quando, então, ele efetuou o disparo de arma de fogo, pois o capacete dele estava aberto do queixo até sua testa. Por fim, ressaltou ter visto com clareza que o acusado portava uma arma de fogo no instante em que anunciou o roubo para ele e para a vítima Luciano, logo após o que desferiu o tiro contra Luciano, quem estava mais próximo do agente criminoso e tentou sacar a arma de fogo dele para reagir, enquanto o declarante pedalava um pouco mais a frente.
O policial militar que participou da ocorrência e efetuou a escolta das vítimas até o nosocômio não se recordou dos fatos descritos na denúncia, mesmo após ser lido ao depoente o resumo dos fatos narrados no boletim de ocorrência.
Em memoriais, a Acusação pugnou pela procedência da ação, por entender que ficou devidamente comprovada nos autos a materialidade do delito de latrocínio contra as duas vítimas, Luciano Silva e João Eurípedes, bem como a autoria do acusado. Requereu a aplicação do redutor referente à tentativa para as duas condutas de latrocínio, contudo, em patamar mínimo. Por fim, o órgão ministerial pleiteou o reconhecimento do concurso formal entre os delitos, porém, com a somatória das penas aplicadas a cada um dos crimes, por considerar que foram atingidos bens jurídicos de vítimas diversas.
O Defensor constituído pelo acusado, por sua vez, alegou a presença de nulidade a macular o processo, por não ter sido intimado pelo juízo deprecado sobre a data da realização da audiência de oitiva da testemunha, na Comarca de Assis Brasil, alegando que a sua ausência para acompanhamento do ato designado trouxe prejuízo insanável ao exercício do direito de defesa do acusado. No que tange ao mérito, aduziu a absolvição dele em relação aos crimes a ele imputados na denúncia, aduzindo a inexistência de prova suficiente de autoria a elidir a versão exculpatória por ele apresentada, nos termos do art. 386, VII, do CPP. Subsidiariamente, requereu o afastamento do concurso formal de delitos, ao sustentar a tese de crime único, segundo a qual restou comprovado a prática do delito apenas contra a vítima Luciano. Por fim, aduziu pela aplicação da atenuante referente à tentativa em patamar máximo.
Destaque-se que, também, foram juntados aos autos o relatório das investigações com fotografias do local, além de Folha de Antecedentes e certidões de objeto e pé que comprovam a primariedade do acusado Juliano.
Com base nas informações acima mencionadas, elaborar a referida sentença penal, nos termos exigidos pelo art. 381 do CPP, observando a aplicação das Súmulas e Jurisprudência dominante do STJ e do STF, a exigibilidade da elaboração do relatório de sentença, bem como a necessidade de aplicar de modo fundamentado as determinações previstas no art. 387 do CPP, analisando, inclusive, a possibilidade de aplicação daquela constante no § 2º do mesmo dispositivo.