No dia 20/3/2019, um forte temporal no município de Boa Vista – RR deixou vários habitantes desabrigados. Em decorrência disso, no dia seguinte a esse acontecimento, uma escola pública municipal dessa capital foi invadida por três famílias afetadas pela tragédia, constituídas das seguintes pessoas: Sérgio, Amélia — sua esposa — e três filhos menores; Cláudio, Vanessa — sua esposa — e um filho menor; e Francisco e sua esposa, Maria. Essas três famílias não deixaram nenhuma pessoa ingressar no imóvel desde então, de modo que atualmente ocupam a escola sozinhas.
Após ser informado da ocupação, o secretário municipal de educação de Boa Vista foi ao local para dialogar com essas famílias, mas não conseguiu convencê-las a sair da escola; elas argumentaram que somente sairiam do bem público se recebessem um imóvel capaz de abrigá-las. Nesse contexto, o referido secretário solicitou à Procuradoria do Município de Boa Vista que tomasse as providências judiciais cabíveis.
Considerando essa situação hipotética, elabore, na qualidade de procurador do município de Boa Vista, a peça processual adequada à situação apresentada, abordando toda a matéria de direito material e processual pertinente ao caso. Fundamente sua explanação e não crie fatos novos.
(120 linhas)
Aline é proprietária de uma pequena casa situada na cidade de São Paulo, residindo no imóvel há cerca de 5 anos, em terreno constituído pela acessão e por um pequeno pomar. Pouco antes de iniciar obras no imóvel, Aline precisou fazer uma viagem de emergência para o interior de Minas Gerais, a fim de auxiliar sua mãe que se encontrava gravemente doente, com previsão de retornar dois meses depois a São Paulo. Aline comentou a viagem com vários vizinhos, dentre os quais, João Paulo, Nice, Marcos e Alexandre, pedindo que “olhassem” o imóvel no período.
Ao retornar da viagem, Aline encontrou o imóvel ocupado por João Paulo e Nice, que nele ingressaram para fixar moradia, acreditando que Aline não retornaria a São Paulo. No período, João Paulo e Nice danificaram o telhado da casa ao instalar uma antena “pirata” de televisão a cabo, o que, devido às fortes chuvas que caíram sobre a cidade, provocou graves infiltrações no imóvel, gerando um dano estimado em R$ 6.000,00 (seis mil reais). Além disso, os ocupantes vêm colhendo e vendendo boa parte da produção de laranjas do pomar, causando um prejuízo estimado em R$ 19.000,00 (dezenove mil reais) até a data em que Aline, 15 dias após tomar ciência do ocorrido, procura você, como advogado.
Na qualidade de advogado(a) de Aline, elabore a peça processual cabível voltada a permitir a retomada do imóvel e a composição dos danos sofridos no bem. (Valor: 5,00)
Em 2008, a União ajuizou perante a Justiça Federal ação de reintegração de posse em desfavor de Marivaldo Coutinho, pescador, sustentando ser proprietária de terreno por este ocupado, situado em área militar na Ilha do Bom Jesus, município do Rio de Janeiro.
Postulou a desocupação liminar e a consequente reintegração definitiva na posse, com a condenação do réu em perdas e danos na base de um salário mínimo por dia, a partir da citação até a restituição definitiva do imóvel. A liminar não foi concedida. Em contestação, Marivaldo Coutinho sustentou ser um remanescente das comunidades de quilombo. Acrescentou ter formulado pedido à Fundação Cultural Palmares, a fim de ver reconhecida essa qualidade, o que legitima a titulação definitiva do imóvel ocupado a seu favor. Aduziu deter a posse da área há mais de 4 (quatro) décadas, transmitida por seus ancestrais de geração a geração, e que a União jamais foi possuidora do local ocupado, a ensejar o manejo de ação de reintegração de posse.
Ao mesmo tempo, trouxe aos autos cópia de ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal em dezembro de 2001, quando ainda estava em vigor o Decreto nº 3912/2001, que determinava ser a Fundação Cultural Palmares o órgão responsável para a identificação dos remanescentes das comunidades quilombolas, bem como para a atribuição de reconhecimento, delimitação, demarcação, titulação e registro imobiliário das terras por eles ocupadas.
O referido decreto foi revogado pelo Decreto nº 4887/2003, que entrou em vigor apenas em 20 de novembro de 2003. O laudo antropológico, que instruiu a ação civil pública, elaborado pela Fundação Cultural Palmares e datado de 06 de março de 2002, identificou todas as famílias detentoras do direito à terra constitucionalmente assegurado, que residiam na Ilha do Bom Jesus.
Na referida ação civil pública, foi proferida sentença em 2007, na qual o juiz entendeu pela caracterização da localidade como remanescente de comunidade de quilombo, “ao menos para fins de proteção possessória e garantia aos seus membros de não mais serem molestados pela União Federal.” Entretanto, o julgador observou não haver como determinar, peremptoriamente, a caracterização da comunidade negra da Ilha de Bom Jesus como descendente de quilombos, seja porque tal providência não constou do pedido inicial, o que violaria o disposto nos artigos 128 e 460, ambos do CPC, seja porque, neste caso, estaria o Poder Judiciário usurpando a competência administrativa do INCRA, sem condições técnicas para fazê-lo.
Assim sendo, decidiu pela procedência do pedido em relação à União, devendo esta tolerar a permanência dos integrantes identificados da comunidade dentro das áreas que ocupam na ilha, bem como permitir o retorno dos que de lá foram retirados e se abster de inviabilizar que a comunidade mantenha seu tradicional estilo de vida. Dessa decisão, houve recurso por parte da União e do Ministério Público Federal para o Tribunal Regional Federal da 2º Região, que pende de julgamento pelo colegiado. Enquanto tramitava a ação civil pública, o INCRA, no uso das atribuições conferidas pelo decreto citado, produziu um Relatório Técnico de Demarcação e Identificação, que foi o primeiro reconhecimento público oficial de que o território objeto da controvérsia é quilombola.
Em agosto de 2006, o INCRA publicou o relatório no Diário Oficial da União, mas, no dia seguinte, por pressão da Casa Civil, tornou sem efeito a publicação anterior. O efeito da publicação do relatório ainda está sub judice. Na ação de reintegração de posse, a sentença, datada de setembro de 2018, julgou parcialmente procedente o pedido autoral, "apenas para declarar o direito à reintegração na posse, sem qualquer direito às indenizações pretendidas por parte da União". Sobrevieram recurso de apelação do autor e remessa necessária.
O recorrente Marivaldo Coutinho, em suas razões, pugnou pela reforma da decisão, ao fundamento de que tem direito à posse do imóvel, por força do Decreto n.º 4.887/03 e do art. 68 do ADCT, o que restou reconhecido na decisão que julgou a ação civil pública. Alegou, ainda, que a perda da posse representa afronta aos princípios fundamentais consagrados na Constituição Federal e à dignidade da pessoa humana. Ademais, a posse é transmissível (art. 1.206 do CC) e não obsta à sua manutenção a alegação de domínio - exceptio domini (art. 1.210, § 2º, do CC).
Defendeu, por fim, que, nesse sentido, a doutrina recente vem entendendo que o preceito em exame consagra uma das mais relevantes inovações do Código Civil em matéria possessória, eliminando de vez a figura da exceção de domínio do ordenamento jurídico. Os autos vieram com vista para o Parquet.
Na qualidade de órgão do Ministério Público Federal, analise o caso e elabore parecer conclusivo, analisando as questões suscitadas e apontando a solução adequada para a controvérsia. Todas as conclusões devem ser fundamentadas. (Nota explicativa: os dados referentes ao imóvel, à localização e ao autor são fictícios).