[...] Essa semente que Severo plantou por nossa liberdade e por nossos direitos não irá morrer. Foi um que se foi. Meu companheiro e pai de meus filhos. Mas somos muitos ainda nesta fazenda. Foi embora um fruto, mas a árvore ficou. E suas raízes são muito fundas para tentarem arrancar. A mentira de que ele cuidava de plantio de maconha não ficará de pé. Nós sabemos quem planta”, disse sem desviar o olho do povo à sua frente. “Nós moramos na periferia da cidade, e lá os policiais usavam a mesma desculpa de drogas para entrar nas casas, matando o povo preto. Não precisa nem ser julgado nos tribunais, a polícia tem licença para matar e dizer que foi troca de tiro. Nós sabíamos que não era troca de tiros. Que era extermínio”.
(VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto arado. São Paulo: Todavia, 2019. p. 221)
A partir do excerto acima, denomine, caracterize e explique as estratégias de que se vale o fenômeno jurídico-político que promove a suspensão de direitos fundamentais de parcela da população na sociedade contemporânea.
(30 Linhas)
(2,50 Pontos)
[...] Salu estava amargurada pela disputa pela terra que havia tirado a vida de Severo. Pelas ameaças e proibições que tinham a intenção de fazê-los deixar a fazenda. Aquela visita era parte da tormenta que sofriam havia tempos, para constrangê-los, até não sobrar mais nada. Se pôs com autoridade diante dos dois para dizer o que a estava sufocando fazia muito tempo. “Olha, dona”, interrompeu Salu antes que a mulher continuasse a sua pregação, “eu não tenho muita letra nem estudo, mas quero que a senhora entenda uma coisa. Eu não sou a única a morar nesta terra. Muitos desses moradores que vocês querem mandar embora chegaram muito antes de vocês. Vocês não eram nem nascidos.
[...] Não sei se a senhora sabe, mas eu peguei em minhas mãos a maioria desses meninos, homens e mulheres que a senhora vê por aí. Sou mãe de pegação deles. Assim como apanhei cada um com minhas mãos, eu pari esta terra. Deixa ver se a senhora entendeu: esta terra mora em mim”, bateu com força em seu peito, “brotou em mim e enraizou”. “Aqui”, bateu novamente no peito, “é a morada da terra. Mora aqui em meu peito porque dela se fez minha vida, com meu povo todinho. No meu peito mora Água Negra, não no documento da fazenda da senhora e do seu marido. Vocês podem até me arrancar dela como uma erva ruim, mas nunca irão arrancar a terra de mim”.
(VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto arado. São Paulo: Todavia, 2019. p. 229-230)
1 - A partir do excerto acima — em que se narra uma disputa territorial fundada na tensão entre o direito oficial, mais precisamente o direito de propriedade, reivindicado pelos novos proprietários de um imóvel rural com base no direito positivo (registro imobiliário), e o direito inoficial, reivindicado na forma do direito à terra pela personagem Salu — denomine, caracterize e fundamente, à luz da teoria crítica do direito, referida juridicidade não estatal (direito inoficial) que exsurge do contexto em questão.
2 - Tendo em vista a força simbólica da personagem Salu, mulher negra descendente de escravos, parteira e trabalhadora rural no sertão baiano, explique de forma contextualizada o feminismo afro-latino-americano de acordo com a obra de Lélia Gonzalez.
(30 Linhas)
(2,50 Pontos)
Lorena da Silveira é usuária de um aplicativo de relacionamentos organizado pela empresa “Tincontrei”, sediada na capital soteropolitana. Todavia, está insatisfeita com os perfis de usuários apresentados pelo aplicativo como compatíveis com o seu.
Ela é negra e reside em um bairro pobre na região metropolitana de Salvador-BA, e apresentava dúvidas quanto a quais dados pessoais e sensíveis o aplicativo tem acesso para sugerir os perfis correspondentes, além de perceber que usuárias brancas e que moram em outras regiões da cidade não passaram pelo mesmo problema.
Diante dessa situação, a Defensoria Pública fez um levantamento no qual observou que o aplicativo obteve acesso a informações de caráter pessoal, dentre elas, diversos dados sensíveis não fornecidos pela usuária, tais como religião e ideologia política.
De posse de tais documentos, Lorena, por meio do órgão de atuação da Defensoria Pública da Bahia, ajuizou ação pelo procedimento comum, na qual pleiteia obrigação de fazer (apresentação dos dados pessoais constantes dos bancos de dados, apresentação dos códigos-fonte do aplicativo e exclusão de dados sensíveis coletados sem autorização da autora), cumulada com pedido indenizatório pelos danos sofridos, inclusive em razão de discriminação racial.
A petição inicial foi recebida pelo juiz do primeiro Ofício Cível da Comarca de Salvador, que determinou a citação da ré e deixou de designar audiência de conciliação, por se tratar de direito indisponível.
A empresa, após citada, apresentou contestação, onde alegou que o perfilamento é feito por um algoritmo desenvolvido por machine learning (aprendizado de máquinas), de modo que não tem qualquer interferência da empresa.
Alegou que não seria obrigada a fornecer as informações requeridas, pois estariam albergadas pelo sigilo empresarial.
Alegou, ainda, inexistir qualquer discriminação racial ou violação ao sigilo de dados, impugnando todos os pedidos feitos pela parte autora.
Após a contestação, o juiz indeferiu os meios de provas postulados pela autora e julgou antecipadamente o mérito, por entender que não haveria necessidade de produção de provas, e julgou improcedentes os pedidos.
Argumentou o magistrado que a empresa privada não pode ser obrigada a fornecer tais informações solicitadas e que não haveria como responsabilizar a empresa por um ato de um robô (algoritmo desenvolvido por machine learning).
A Defensoria Pública opôs embargos de declaração em face da decisão, porém foram rejeitados.
A intimação foi disponibilizada à Defensoria no Portal Eletrônico em 1º de setembro de 2021 e efetivamente recebida pelo/a defensor/a em 08 de setembro de 2021.
Diante dessa situação, na condição de defensor/a público/a, elabore o recurso cabível para a impugnação da decisão, destacando o cabimento e a tempestividade do recurso, bem como as prerrogativas aplicáveis.
(150 Linhas)
(5,0 Pontos)
Discorra sobre as criminologias feministas, sob a ótica da criminologia critica e do positivismo criminológico.
Aborde, ainda, os tipos criminológicos de “homem abusador”, “mulher delinquente” e “mulher vítima”, na visão das criminologias feministas.
(30 Linhas)
(2,50 Pontos)
O Brasil viveu nas últimas três décadas um grande crescimento de sua população prisional, que muitos criminólogos chamam de “encarceramento em massa”. A população prisional passou de 90.000 presos em 1990 para aproximadamente 750.000 em 2021. O perfil da população prisional apresenta algumas particularidades, segundo dados do Ministério da Justiça: 66,7% de pretos e pardos, 95,06% de homens, 62,11% com idade inferior a 35 anos e mais de 50% não possuem o ensino fundamental completo.
O que explica esse perfil da população prisional brasileira? Discorra sobre as determinações que culminam no perfil da população prisional acima descrito.
(30 Linhas)
(2,50 Pontos)
Pedro, Paulo e Altair foram denunciados criminalmente pois, segundo narra a peça acusatória,
“[…] às 15h:30min. do dia 17 de agosto de 2021, dois policiais civis, em patrulhamento de rotina, se depararam com os três indivíduos em frente a residência de Pedro e, por demostrarem nervosismo com a presença da viatura, foram abordados e submetidos a revista pessoal. Em que pese nada de ilícito ter sido encontrado com os investigados, Pedro franqueou a entrada dos policiais em sua residência, apontando o local onde armazenava substâncias entorpecentes, sendo encontrados 200 g de maconha, 175 g de cocaína e 10 g de crack (segundo laudo de constatação preliminar), além de um papel impresso que continha o Estatuto de uma conhecida facção criminosa do tráfico de drogas local. Os réus optaram por permanecer em silêncio em sede policial. Assim, denuncio Pedro, Paulo e Altair como incursos nos artigos 33 e 35 da Lei nº 11.343/2006 e art. 2 da Lei nº 12.850/2013, todos na forma do artigo 69 do Código Penal, além da incidência da agravante relacionada a calamidade pública, prevista no artigo 61, inciso II, do Código Penal. Arrolo como testemunhas os policiais responsáveis pela detenção”.
A prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva ao fim da audiência de custódia.
Devidamente citados, Paulo e Altair constituíram advogados, enquanto a Defensoria Pública do Estado da Bahia ficou responsável pela defesa de Pedro.
Apresentadas as respostas à acusação, aportou nos autos laudo de constatação definitivo, no qual o perito, “após nova análise do material devidamente embalado, lacrado e sem numeração aparente”, concluiu de maneira idêntica em relação ao peso e natureza dos entorpecentes constantes do laudo preliminar.
Ato contínuo, realizada audiência de instrução, foram ouvidos os dois policiais civis responsáveis pela prisão em flagrante, que reafirmaram suas versões dadas em Delegacia de Polícia, acrescentando apenas que o local da prisão era próximo a uma escola infantil. Os réus, em seus interrogatórios, optaram por permanecer em silêncio.
Nada requerido nos termos do artigo 402 do CPP, e concedido prazo sucessivo as partes, a Promotoria de Justiça ofertou memoriais requerendo a procedência da ação para condenar os réus nos termos da denúncia.
Em relação à pena, pleiteou o aumento da pena-base diante da presença de crack, com a incidência, na segunda fase, da agravante pelo crime ter sido cometido em tempos de calamidade pública.
Já em terceira fase da dosimetria penal, requereu o reconhecimento da causa de aumento prevista no artigo 40, III, da Lei nº 11.343/2006, pela proximidade da escola infantil, além da não incidência do redutor previsto no art. 33, §4º da Lei n º 11.343/2006, haja vista a participação dos réus em organização criminosa.
Pediu, por fim, a fixação de regime fechado, diante da gravidade das condutas imputadas, em que pese a primariedade dos réus.
Aberta vista à Defensoria Pública.
Na qualidade de Defensor/a Publico/a do Estado da Bahia, elabore a peça adequada ao momento processual, atendo-se exclusivamente aos dados aqui mencionados.
(Até 150 Linhas)
(5,0 Pontos)
“Tal como todos os agrupamentos políticos que historicamente o procederam, o Estado consiste em uma relação de dominação do homem sobre o homem, fundada no instrumento da violência legítima (isto é, da violência considerada como legítima). O Estado só pode existir, portanto, sob condição de que os homens dominados se
submetam a autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores. (Weber, M. Ciência e política. Duas
vocações. 2013 p. 57). O trecho acima infere-se na análise realizada por Max Weber, no ensaio "A política como
vocação”, sobre a forma de agrupamento político denominado Estado. acerca desta análise, pergunta-se:
A - em que termos Weber explica a relação entre o Estado e a violência em nossos dias?;
B - Segundo Weber, existem em princípio "três razões internas que justificam a dominação", existindo , consequentemente , três fundamentos da legitimidade. Quais são elas? Explique.
(30 linhas)
“Dispositivo importante, pois autoriza e desinvidualiza o poder. Este tem seu princípio não tanto numa pessoa quanto numa certa distribuição concertada dos corpos, das superfícies, das luvas e, dos olhares; uma aparelhagem cujos mecanismos internos produzem a relação na qual se encontram presos os indivíduos. as cerimônias, os rituais, as marcas pelas quais se manifesta no soberano o mais poder são inúteis. Há uma maquinaria que assegura a dissimetria, o equilíbrio, a diferença. Pouco importa, consequentemente, quem exerce o poder" (FOUCALT, M. Vigiar e punir. 2007 p.167). No trecho citado, Michel Focault refere-se ao "dispositivo panóptico". Acerca deste
dispositivo , segundo as análises do filósofo na obra vigiar e punir , pergunta-se:
1 - Quais seus principais efeitos em instituições como, por exemplo, a prisão? ;
2 - O dispositivo panóptico está relacionado a quais mecanismos de poder?
Explique.
(30 linhas)