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No final do ano de 2023, no oeste do Estado, chamou a atenção do Ministério Público de Santa Catarina o fato de que uma mesma empresa, denominada COISA NOSSA LTDA., vinha alcançando sucesso em processos licitatórios de vários municípios da região, inclusive com o fornecimento de maquinários agrícolas em valores superiores àqueles praticados no mercado.
A partir desta relevante suspeita, iniciou-se uma investigação formal desse esquema que inclusive envolveria agentes públicos, durante a qual o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) repassou ao Ministério Público que, em Guatambu - município com cerca de 8.500 habitantes localizado no oeste de Santa Catarina -, foi observada movimentação bancária atípica da correntista PATRÍCIA FRANCO, consubstanciada em saques mensais em dinheiro no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
O relatório do Coaf informava que PATRÍCIA FRANCO vinha recebendo transferências bancárias substanciais em sua conta havia 6 (seis) meses, sempre oriundas de contas de diferentes titularidades e em valores incompatíveis com as atividades econômicas desempenhadas por PATRÍCIA, que é cabeleireira. Os valores recebidos eram sempre sacados, quase que na integralidade, um tempo depois da entrada do numerário. Constatouse que o ponto em comum entre esses titulares era o fato de todos serem empregados da empresa COISA NOSSA LTDA., que 6 (seis) meses antes havia se sagrado vencedora de processo licitatório em Guatambu.
Também durante a investigação, fora constatado que MAURÍCIO NUCCI é servidor público efetivo do município referido e exerce suas funções administrativas como chefe do setor de licitações, com remuneração mensal líquida de R$ 10.000,00 (dez mil reais), tendo chamado a atenção de todos o afinco e rapidez com que ele, que não é exatamente conhecido com um servidor prestativo e eficaz, concluiu o processo licitatório que teve a empresa COISA NOSSA LTDA. como vencedora.
Com base nestas informações preliminares, o representante do Ministério Público formulou ao juízo competente pedido de interceptação das comunicações telefônicas e de quebra dos dados telemáticos de PATRÍCIA FRANCO, MAURICIO NUCCI e dos sócios da empresa COISA NOSSA LTDA. com o intuito de elucidar os fatos, após surgirem indícios de que as comunicações se davam quase exclusivamente por esse meio.
Apresentado ao juízo o relatório das interceptações até então realizadas, com base nos indícios obtidos, o Ministério Público requereu a prorrogação e extensão das interceptações das comunicações telefônicas e dados telemáticos para outros alvos, além da quebra de dados cadastrais de 12 (doze) terminais de interlocutores que mantiveram contato com os principais investigados.
Após as diligências levadas a efeito pela autoridade policial, verificou-se que o contrato entre o citado município e a empresa COISA NOSSA LTDA. sofrera direcionamento mediante a inserção de características específicas dos equipamentos agrícolas fabricados pela empresa referida no descritivo que compõe o edital, de modo que apenas esta seria apta a se classificar.
Também se apurou que a empresa COISA NOSSA LTDA. era de propriedade dos irmãos PAOLO PIAZZA, ALDO PIAZZA e RODOLFO PIAZZA, tendo como sócios-administradores os dois primeiros.
Havendo indícios da prática de graves crimes contra a Administração Pública, em fevereiro de 2024, o Ministério Público requereu e o Poder Judiciário expediu mandados de prisão e de busca e apreensão. Os mandados foram todos cumpridos no dia 11 de março de 2024.
Com relação ao agente público MAURÍCIO NUCCI, foi cumprido mandado de prisão e de busca e apreensão pelos agentes que atuam no Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco).
O cumprimento da busca e apreensão iniciou-se na sede da prefeitura do Município de Guatambu, momento no qual os agentes do Gaeco localizaram sobre a mesa de trabalho de MAURÍCIO NUCCI vários envelopes devassados que correspondiam a propostas de processos licitatórios em andamento ainda sem a realização formal do ato respectivo de abertura.
Neste momento, foi dado cumprimento ao mandado de prisão contra MAURÍCIO NUCCI e, na sequência, os agentes dirigiram-se até sua residência, munidos do mandado de busca, onde foi encontrado, em caixa de sapato, o valor em espécie de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) e diversos artigos de luxo, como bolsas de grife e relógios importados. Na apreensão do seu computador, foram encontradas armazenadas fotografias pornográficas envolvendo crianças e adolescentes.
Na chegada para cumprimento do mandado de busca e apreensão na residência de MAURÍCIO NUCCI, os agentes do Gaeco foram recebidos pelo seu pai, GIUSEPPE NUCCI, de 70 anos, também morador da casa. Após realizarem a leitura do mandado a GIUSEPPE, os agentes solicitaram a abertura da porta, oportunidade em que GIUSEPPE pediu aos agentes que retornassem no dia seguinte para cumpri-lo, oferecendo R$ 2.000,00 (dois mil reais) caso o pedido fosse atendido, o que foi prontamente negado pela força pública, que deu voz de prisão ao idoso e iniciou as buscas.
No ato da prisão em flagrante de GIUSEPPE NUCCI, este estava com seu celular em mãos, teve seu aparelho apreendido pelos agentes, que acessaram o seu conteúdo mediante solicitação da senha a GIUSEPPE e pronto fornecimento, no qual localizaram uma mensagem trocada entre pai e filho na qual MAURÍCIO enviou para GIUSEPPE o comprovante de depósito de R$ 33.000,00 (trinta e três mil reais) realizado por terceiro na conta bancária de PATRÍCIA. Durante todo esse procedimento, GIUSEPPE se apresentava bastante apreensivo e cada vez mais nervoso, mormente diante de sua prisão e apreensão do aparelho de telefonia celular, com acesso dos agentes do Gaeco ao conteúdo.
Ainda no cumprimento dos mandados de busca e apreensão, os agentes do Gaeco estiveram na sede administrativa da empresa COISA NOSSA LTDA., onde se depararam com os empresários PAOLO PIAZZA, ALDO PIAZZA e RODOLFO PIAZZA, sendo apreendidos seus aparelhos celulares e computadores da empresa. No local, foram encontrados e apreendidos um revólver calibre .38 desmuniciado, 18 munições calibre .223 REM e mais 12 munições calibre 5,56 mm, o que gerou a prisão em flagrante de PAOLO PIAZZA, que admitiu serem seus o armamento e as munições, sem apresentar qualquer documento comprobatório de sua regularidade.
Em relação a PATRÍCIA FRANCO, houve cumprimento de mandado de busca e apreensão em sua residência (sendo apreendido na ocasião apenas seu aparelho celular) e de mandado de prisão.
As prisões acima relatadas foram efetuadas na manhã do dia 11 de março de 2024, a última às 9:14 horas, as quais foram comunicadas ao juízo competente, que também recebeu os autos dos flagrantes levados a termo, realizando-se a audiência de custódia às 17 horas do dia 12 de março de 2024, por conta da inexistência de viatura disponível para o deslocamento dos presos até a Vara Regional de Garantias, distante 70 km do local da prisão.
Após a coleta dos dados pessoais e perguntas previstas em resolução a cada um dos presos, foi dada a palavra ao representante do Ministério Público, o qual requereu a manutenção das prisões preventivas decretadas, a conversão dos flagrantes em preventiva e a quebra do sigilo dos dados de todos os equipamentos eletrônicos apreendidos. As Defesas requereram o relaxamento do flagrante porque a audiência de custódia não observou o prazo de 24 horas da prisão, além da revogação das prisões pelo fato de que as condutas em tese praticadas não envolvem violência e os custodiados terem endereço conhecido. Alegaram, ainda, que as cautelares alternativas à prisão são suficientes para acautelar a ordem pública e o andamento do processo. Ainda, a Defesa da custodiada PATRÍCIA FRANCO requereu a revogação de sua prisão, sob o argumento de que ela tem uma filha de 3 anos, é divorciada e não dispõe de rede familiar que possa auxiliá-la. Por fim, a defesa de GIUSEPPE NUCCI requereu o relaxamento do flagrante com base no princípio da insignificância e, alternativamente, postulou a liberdade provisória ou, não sendo o entendimento do juízo, a concessão de prisão domiciliar em razão de ter 70 anos de idade.
Ao final, o juiz condutor da audiência decidiu a respeito de todos os pedidos formulados.
Após alguns dias de prisão, os advogados constituídos de MAURÍCIO NUCCI procuraram o Ministério Público propondo uma delação premiada. Realizou-se, então, acordo de colaboração premiada com o Ministério Público para a redução de suas penas, que foi processado e finalizado em autos apartados ainda durante curso das investigações, quando MAURÍCIO admitiu o direcionamento da licitação da compra de maquinários agrícolas para a empresa COISA NOSSA LTDA.; o superfaturamento do maquinário adquirido pelo Município de Guatambu de referida empresa, pois as 6 (seis) máquinas forrageiras adquiridas pelo município tinham o preço médio de mercado de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), mas custaram aos cofres públicos R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais). MAURÍCIO NUCCI confessou que usou do seu cargo, inserindo as informações específicas dos equipamentos da empresa COISA NOSSA LTDA., recebendo R$ 33.000,00 (trinta e três mil reais) por máquina pelas práticas ilícitas, valor que eram depositados na conta bancária de sua prima PATRÍCIA FRANCO com a finalidade de dissimular a origem ilícita dos recursos, que eram por ela sacados e retornavam para as suas mãos, e com os quais adquiriu os itens de luxo apreendidos em sua residência, e parte dele estava na caixa de sapato. Esclareceu que PATRÍCIA FRANCO aceitou o encargo pois ficava com 10% (dez por cento) dos valores que lhe eram depositados, sem saber da origem dos recursos. Declarou, ainda, que os valores eram transferidos para conta de PATRÍCIA por empregados da empresa COISA NOSSA LTDA., a mando de PAOLO PIAZZA, que realizava depósitos em dinheiro na boca do caixa nas contas bancárias de seus empregados a fim de possibilitar as transferências. Os empregados tampouco tinham exata ciência do motivo das transferências e que, na verdade, as faziam para manter os empregos.
MAURÍCIO NUCCI disse que a outra parte do valor da propina era paga pelos empresários PAOLO e ALDO PIAZZA diretamente na sede da prefeitura, por mês e em envelopes, e que toda a articulação foi realizada por IVANO ROSSI, político influente na região oeste do Estado de Santa Catarina, já acostumado a indicar para os municípios da região a empresa COISA NOSSA LTDA. para processos licitatórios que são realizados mediante fraude e superfaturamento - e que, naquele momento, exercia o cargo de secretário da administração do Município de Guatambu - tudo mediante pagamento de propina, que realizava a apresentação dos empresários aos agentes públicos, exigia os valores de propina para o sucesso da licitação em favor da empresa COISA NOSSA LTDA. e fazia a divisão dos pagamentos.
Com base nessas informações, os agentes do Gaeco realizaram ação monitorada do secretário IVANO ROSSI por meio de campana em frente à prefeitura, sendo de conhecimento deles que naquela data haveria o pagamento do valor mensal da propina. Assim, houve visualização do empresário ALDO PIAZZA se dirigir à prefeitura com um envelope pardo em mãos, o que motivou a entrada dos agentes do Gaeco no gabinete do secretário da administração, sendo apreendido US$ 10.000,00 espécie em suas vestes íntimas, o que motivou a sua prisão em flagrante.
Durante essa diligência, os agentes do Gaeco ouviram dentro da prefeitura o canto característico do pássaro trinca-ferro, o qual foi localizado no gabinete do Prefeito, VALENTINO FERRARI, que não se fazia presente, dentro de uma gaiola. Por ser ave da fauna silvestre e não sendo localizada a devida licença ambiental ou visualizada a anilha característica, o pássaro trinca-ferro foi apreendido.
Em ato contínuo, realizada as prisões em flagrante de IVANO ROSSI e ALDO PIAZZA, os agentes do Gaeco se dirigiram à residência de IVANO ROSSI, localizada em zona rural, e lá observaram a presença de uma das máquinas agrícolas adquiridas pelo Município de Guatambu da empresa COISA NOSSA LTDA., realizando trabalho particular na lavoura do secretário.
Essas prisões ocorreram 10 dias depois das primeiras e, em audiência de custódia, indagado ao custodiado IVANO ROSSI a respeito do tratamento recebido pelos agentes durante o cumprimento das diligências, relatou ter sofrido violência psicológica por parte de um dos policiais, que o humilhou dizendo “te peguei, agora tu vai morrer atrás das grades e não vai ver teus filhos crescerem”. Assim, a Defesa de IVANO requereu a nulidade do flagrante em razão da violência policial e também diante da ausência de autorização judicial para campana e entrada na prefeitura e na sua residência.
A Defesa de ALDO PIAZZA também solicitou o relaxamento de sua prisão diante da campana realizada sem autorização judicial.
O Ministério Público defendeu a legalidade das prisões e ausência de vícios para os relaxamentos solicitados. Requereu a quebra do sigilo de dados dos equipamentos eletrônicos apreendidos.
Ao final, o juiz condutor da audiência decidiu a respeito de todos os pedidos formulados.
Alguns dias depois, o prefeito do Município de Guatambu, VALENTINO FERRARI, pediu a devolução do seu pássaro trinca-ferro (o qual já fora encaminhado ao órgão ambiental de proteção) mas admitiu não possuir a devida licença ambiental. O termo de apreensão foi encaminhado ao Poder Judiciário com o restante da documentação do inquérito policial.
Na continuidade das investigações, a autoridade competente identificou uma das adolescentes - que naquela altura já contava com 18 anos de idade - que aparecia no material pornográfico encontrado no computador de MAURÍCIO NUCCI e tomou as providências cabíveis para a sua oitiva.
Concluídas as investigações com o envio dos relatórios de diligências, autos de exibição e apreensão; relatório de investigação policial; auto circunstanciado de interceptação telefônica; cópia do registro do livro diário da empresa COISA NOSSA LTDA.; laudos periciais de eficiência da arma e munições; auto de infração ambiental; prova oral colhida durante a investigação - destacando-se que todos os indiciados, com exceção de MAURÍCIO NUCCI, reservaram-se no direito de permanecer em silêncio e falar apenas em juízo - e demais elementos colacionados, o inquérito policial respectivo foi apensado aos autos de prisão em flagrante e o juízo, após a tomada das primeiras providências, encaminhou tudo ao Ministério Público, o qual ofereceu denúncia contra os envolvidos, acompanhada do rol de testemunhas (delegado de polícia, policiais civis e policiais militares, todos lotados no Gaeco, além da vítima) e requerimentos de diligências. Ao final, requereu a condenação dos denunciados e a fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados pelas infrações.
A denúncia foi recebida em 1º de abril de 2024, havendo a citação pessoal de todos os acusados. PATRÍCIA FRANCO deixou fluir in albis o prazo de resposta e GIUSEPPE NUCCI requereu a atuação da Defensoria Pública, conforme fez constar o oficial de justiça em sua certidão.
MAURÍCIO NUCCI apresentou sua resposta à acusação por meio de defensor constituído. Não arrolou testemunhas.
Os demais acusados, também por defensores constituídos, apresentaram resposta à acusação, alegando, em preliminar, ausência de notificação prévia ao recebimento da denúncia pela presença de servidor público no polo passivo. Sustentaram, ainda, a inépcia da denúncia por conta da não descrição das condutas de forma individualizada de cada um dos membros. Por fim, arguiram a nulidade do inquérito policial porque, uma vez habilitados nos autos, requereram diligências imprescindíveis que não foram realizadas pela autoridade condutora das investigações. Cada um arrolou três testemunhas, sendo que nenhuma delas coincide com as de Acusação ou de outro acusado.
A Defesa de PATRÍCIA FRANCO renunciou ao mandato que lhe fora outorgado, apresentando termo de renúncia, dando conta que não se manteria na defesa desta acusada, ao que se seguiu certidão cartorária acerca da indisponibilidade de serviços da Defensoria Pública na Unidade Jurisdicional.
Após os cuidados de praxe no que diz respeito à atuação das Defesas, PATRÍCIA FRANCO e GIUSEPPE NUCCI apresentaram suas respostas à acusação. Ela requerendo, preliminarmente, a nulidade da quebra do seu sigilo bancário pelo Coaf ao Ministério Público por ausência de autorização judicial, e, no mérito, a sua absolvição sumária; e ele, requerendo, em preliminar, fosse ofertado acordo de não persecução penal. Ela arrolou duas amigas íntimas como testemunhas; ele não apresentou rol de testemunhas.
Após manifestação do Ministério Público sobre as preliminares, ocasião em que negou a oferta de acordo de não persecução penal porque o réu GIUSEPPE não confessou o crime perante a autoridade policial e porque a gravidade do delito não comporta o benefício, o juízo exarou decisão acerca de todos os pontos arguidos, saneando o feito, em 15 de maio de 2024, e designando audiência de instrução e julgamento para 12 de julho de 2024.
Vieram aos autos os laudos referentes à perícia realizada nos celulares e computadores apreendidos, sendo intimadas as partes.
Na data aprazada, foram ouvidas as testemunhas arroladas, tendo o Ministério Público desistido da oitiva de um dos policiais, com o que a defesa não concordou. O juízo decidiu sobre o ponto.
O delegado de polícia civil Luiz Fernando Baptista, designado para atuar em cooperação com o Gaeco, declarou, em suma: “que a investigação versou sobre favorecimento indevido da empresa COISA NOSSA LTDA. em processos licitatórios em municípios do oeste catarinense. Durante as apurações, foram reunidos elementos de prova consistentes de que houve direcionamento de edital de licitação no Município de Guatambu, com inserção de especificações técnicas que restringiam a competitividade e favoreciam unicamente a referida empresa. O Ministério Público obteve informações do Coaf dando conta de movimentações atípicas na conta de PATRÍCIA FRANCO, pessoa sem capacidade econômica compatível com os valores recebidos e sacados. A investigação revelou que os recursos tinham origem em contas de empregados da empresa COISA NOSSA LTDA., sendo PATRÍCIA uma espécie de intermediária, vinculada ao servidor MAURÍCIO NUCCI. Foram requeridas medidas cautelares, entre elas interceptações telefônicas, quebra de dados telemáticos e, posteriormente, busca e apreensão e prisões. Todos os pedidos foram instruídos com elementos probatórios adequados e deferidos judicialmente. Os principais investigados foram PATRÍCIA, MAURÍCIO NUCCI, os sócios PAOLO e ALDO PIAZZA e o secretário da administração, IVANO ROSSI, que demonstrou ser afeto a práticas ilícitas semelhantes há muitos anos em diversos municípios da região oeste do Estado. Revelou-se uma atuação estruturada, com tarefas bem divididas, entre agentes públicos e empresários. Da quebra dos dados dos aparelhos celulares, desvendou-se a existência de um grupo de WhatsApp integrado por MAURÍCIO, IVANO e ALDO, no qual eram trocadas mensagens nas quais ALDO informava características que só suas máquinas agrícolas possuíam e MAURÍCIO dava dicas de como usar isso para confeccionar o edital direcionado, o que fez concluir que IVANO estava usando essas informações para levar o esquema para outros municípios. Foi formalizado termo de colaboração premiada por MAURÍCIO, cujas declarações corroboraram os achados da investigação, inclusive apontando IVANO como articulador regional do esquema. Destacou que IVANO agora era secretário em Guatambu, mas que nos últimos 10 anos ocupou altos cargos públicos de confiança e livre nomeação, dos mais diversos, em vários municípios do oeste do Estado, tendo a investigação revelado, em relação a IVANO, que ele vinha recebendo dos sócios PAOLO e ALDO pagamentos mensais, na prefeitura, do valor da propina.”
O segundo a ser ouvido foi o policial civil responsável pelo cumprimento do mandado na prefeitura de Guatambu, Rodrigo Schmitt: "Cumpri, juntamente com outros policiais, o mandado de prisão e busca e apreensão na sede da prefeitura de Guatambu. No momento da abordagem, na mesa do servidor MAURÍCIO NUCCI havia envelopes de propostas de licitação já abertos, mas com datas futuras de abertura. Após leitura do mandado, foi dada voz de prisão a MAURÍCIO NUCCI. Na sequência, deslocamo-nos até sua residência para dar apoio aos demais."
Já o policial que cumpriu mandado na residência de MAURÍCIO NUCCI, Lucas Ferreira, com atuação no Gaeco, disse: "Chegamos à residência do MAURÍCIO para cumprimento de mandado de busca. Fomos atendidos por seu pai, GIUSEPPE NUCCI, que tentou obstar o cumprimento imediato do mandado, sugerindo que retornássemos no dia seguinte. Ofereceu R$ 2.000,00 à equipe para tanto, motivo pelo qual foi dada voz de prisão em flagrante. Durante a busca, foram encontrados R$ 60.000,00 em espécie dentro de uma caixa de sapatos, além de artigos de luxo. No computador pessoal de MAURÍCIO, foi localizado material pornográfico com crianças e adolescentes. O computador não tinha senha para acesso. O celular de GIUSEPPE foi apreendido. Pedimos a senha para ele e ele nos deu na hora, localizamos a conversa entre MAURÍCIO e GIUSEPPE no WhatsApp e lá tinha um comprovante de transferência de R$ 33.000,00 para PATRÍCIA FRANCO. Sim, ele ficou muito nervoso na hora que eu pedi a senha, até achei que ele iria enfartar."
Seguiu-se com o depoimento do policial Juliano Meira a contar ao juízo que "No cumprimento do mandado de busca na sede da empresa COISA NOSSA LTDA., encontramos os irmãos PAOLO, ALDO e RODOLFO PIAZZA. RODOLFO chegou depois, na verdade, deu para ver que estava apenas passando na empresa. Procedemos à apreensão de celulares, computadores e documentos. Em um dos ambientes, localizamos um revólver calibre .38 desmuniciado e munições de calibres .223 REM e 5,56 mm. PAOLO PIAZZA assumiu a propriedade dos itens, mas não apresentou registro ou autorização legal. Foi dada voz de prisão em flagrante. Perguntado, disse que PAOLO e ALDO tinham cada qual uma sala na sede da empresa, sendo que o primeiro seria o presidente e o segundo o responsável financeiro. Os equipamentos eletrônicos foram encaminhados à perícia. Constatamos a centralidade da atuação empresarial na manipulação das licitações, em especial na formulação das exigências técnicas dos editais”. Indagado pela Defesa, disse: “que não identificou, na investigação, nenhuma função de fato exercida por RODOLFO na empresa. RODOLFO é médico em uma cidade vizinha, tem uma prática bem sólida e muitos pacientes.”
E sobre a diligência referente a IVANO ROSSI, foram colhidas as declarações do policial Edson Tomé: "Fizemos campana em frente à prefeitura durante a manhã toda, porque das informações colhidas durante a primeira fase da operação davam conta de que aquele seria dia de pagamento de propina; que a ousadia deles era tanta que apostamos que, mesmo com as prisões anteriores, o pagamento seria mantido; que então visualizamos ALDO entrar na prefeitura com um envelope de papel pardo e, pela janela, vimos que ele entrou no gabinete do secretário IVANO; que então entramos no prédio, encontrando IVANO com o envelope de papel pardo, o qual continha US$ 10.000,00, escondido em sua roupa íntima. Foi dada voz de prisão a ambos. Já na saída da prefeitura, ouvi um trinca-ferro cantar e segui o canto. A gaiola estava no gabinete do prefeito. A sala estava com a porta aberta e a secretária franqueou a entrada. O prefeito não estava no local, parece que estava viajando. O pássaro não tinha anilha nenhuma, então foi apreendido. Na delegacia a gente lavrou todos os termos e eu chamei o órgão ambiental para levar o bichinho para a reabilitação. Dirigimo-nos então à sua residência na zona rural. Já na estrada, visualizamos uma das máquinas agrícolas adquiridas pelo Município de Guatambu da empresa COISA NOSSA LTDA. sendo utilizada em lavoura de uso particular de IVANO ROSSI. Todos esses fatos foram documentados com imagens e vídeos, os quais foram encaminhados ao Poder Judiciário. Não havia qualquer documentação indicando cessão legal da máquina.”
As declarações da vítima Giovana Lucca foram neste sentido: “Eu lembro que estava na rua perto da minha casa quando dois rapazes começaram a conversar comigo. Eles disseram que iam me dar um presente, que eu ia gostar muito, e pediram pra eu ir até um galpão no bairro Esperança para buscar, falaram que eram amigos dos meus primos. Eles foram legais no começo, sorridentes, e falaram como se fossemos amigos. Fui até lá e no caminho me ofereceram um refrigerante. Depois que eu fiquei mais velha me dei conta que devia ter alguma coisa nele. Eles pediram que eu tirasse a roupa e depois fizesse umas poses enquanto tiravam foto com o celular. Eu fiquei muito assustada e concordei com tudo. Contei pra minha mãe e ela foi comigo até a polícia. Não sei os nomes deles, não eram daqui. Acho que eram adolescentes como eu ou bem jovens. Não me bateram, mas eu fiquei com muito medo. Não gostei quando minha mãe falou que tinham achado minhas fotos no computador de um homem aqui da cidade e que eu ia ter que conversar sobre isso."
Consta ainda dos autos um relatório da psicóloga particular de Giovana Lucca dando conta que ela apresenta sinais de vulnerabilidade emocional, sentimento de culpa e constrangimento, sem indicadores atuais de distúrbios graves, mas com risco psicossocial acentuado, estando em acompanhamento psicológico contínuo.
As testemunhas arroladas pelas Defesas prestaram depoimentos apenas de conteúdo abonatório.
Ao final, foram realizados os interrogatórios. Os réus ainda presos pleitearam a revogação das prisões cautelares, com alegação de excesso de prazo à conclusão do processo e o término da instrução.
Na fase do art. 402 do Código de Processo Penal, as partes nada requereram.
Vieram aos autos as certidões de antecedentes criminais dos acusados. Em relação a IVANO ROSSI, há registro de condenação pelo art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, com trânsito em julgado para ambas as partes em 31/07/2021, e punibilidade extinta pelo indulto em 01/07/2023. Tocante a PAOLO PIAZZA, registra condenação pelo art. 12 da Lei n.º 10.826/03, com trânsito em julgado para ambas as partes em 22/08/2010, e punibilidade extinta pelo cumprimento em 01/03/2015. Referente a ALDO PIAZZA, certificou-se existência de condenação pelo art. 38, parágrafo único, da Lei n.º 9.605/98, com trânsito em julgado para ambas as partes em 14/05/2022 e sem notícia de extinção da pena pelo cumprimento ou extinção da punibilidade, e condenação pelo art. 69 da Lei n.º 9.605/98 com trânsito em julgado para ambas as partes em 10/02/2020 e punibilidade extinta pela prescrição da pretensão executória em 19/09/2023.
Em alegações finais, por memoriais, o Ministério Público pugnou pela procedência integral da pretensão acusatória, por comprovadas a materialidade e autoria delitivas, com pedido de condenação, inclusive no que se refere à fixação da indenização dos danos constatados. Requereu adicionalmente, o reconhecimento da existência de crimes autônomos, em concurso material, em relação (a) às propinas recebidas referentes a cada uma das 6 (seis) máquinas agrícolas e (b) a propina mensal recebida por IVANO ROSSI, além a aplicação de todas as consequências dos crimes praticados pelos servidores públicos. Também requereu o reconhecimento das circunstâncias e causas de aumento das penas, de forma a afastálas do patamar mínimo legal, reconhecendo-se o concurso material e formal delitivo. Para o réu MAURÍCIO NUCCI, requereu a atenuação das penas em face da delação premiada.
Em alegações finais, a Defesa de PATRÍCIA FRANCO alegou que é prima do réu MAURÍCIO, o qual lhe pediu para emprestar a conta bancária para efetuar depósitos e posteriores saques, apenas ficava com parte dos valores por esse empréstimo sem saber a origem deles. Nega qualquer envolvimento no esquema, merecendo ser absolvida. Sustentou, alternativamente, que, em caso de condenação, seja reconhecida a participação de menor importância ou, ainda, a desclassificação da conduta para favorecimento real.
A Defesa do réu MAURÍCIO NUCCI, quanto ao conteúdo pornográfico encontrado no computador em sua residência, sustentou a nulidade da apreensão, que ocorreu a partir de mandado de busca referente a crimes diversos, tendo ocorrido a pesca probatória. Sustentou, ainda, a quebra da cadeia de custódia, porque o computador apreendido não foi lacrado e identificado. Alegou que apenas visualizou os vídeos, sem armazená-los, o que ocorreu de forma automática sem o seu conhecimento. Disse, ainda, que não transmitiu nenhum vídeo ou foto de caráter erótico infantil, razão pela qual deve ser absolvido deste crime. Postulou o reconhecimento da nulidade do feito porque a vítima, menor de 21 anos, não foi ouvida através de depoimento especial e, mesmo ela concordando com o depoimento da forma como ocorreu, não pode abrir mão de um direito absoluto imposto por lei. Requereu que seu testemunho fosse desconsiderado. Quanto aos crimes contra a Administração Pública, solicitou a sua absolvição diante da delação premiada realizada e não apenas a redução das penas, pois foi fundamental para o desmantelamento do esquema criminoso.
A Defesa de IVANO ROSSI alegou que sua influência política na região oeste do Estado é que vem gerando acusações infundadas contra sua pessoa a fim de enfraquecer seu capital político, não tendo qualquer participação de comando no esquema criminoso em apuração. Insistiu na tese de que não houve autorização para a campana realizada em frente à prefeitura, bem como para a entrada naquele prédio e no imóvel rural, o que invalida toda a prova dali obtida. Arguiu ser nula a delação premiada porque o delator estava preso e, quanto ao uso da máquina agrícola do Município de Guatambu na sua lavoura, afirmou inexistir crime.
A Defesa dos irmãos PIAZZA requereu, quanto ao comprovante encontrado no celular de GIUSEPPE, o reconhecimento da ilicitude de prova, por conta do vício de consentimento do idoso ao acesso ao celular; a absolvição deles, sob o argumento de que o município não sofreu prejuízo, pois houve a efetiva entrega dos equipamentos agrícolas da empresa COISA NOSSA LTDA. para o Município de Guatambu, os quais possuem características exclusivas importantes. Argumentaram que não houve quaisquer pagamentos a agentes públicos e políticos para garantir o sucesso na licitação e que estão sendo perseguidos por conta da amizade de longa data de ALDO e PAOLO com IVANO. Alternativamente, em caso de condenação por crime contra a Administração Pública, sustentaram a ocorrência de overcharging horizontal. O acusado PAOLO PIAZZA alegou que as armas e munições eram para a defesa da propriedade em que está instalada a empresa, distante do centro da cidade, havendo excludente de ilicitude. O réu RODOLFO PIAZZA alegou ter mera participação societária, não administrando nem exercendo, na verdade, qualquer atividade na empresa. Alegaram, por fim, a quebra de incomunicabilidade entre as testemunhas de acusação, pois todos os policiais do Gaeco comunicaram-se durante as investigações.
Os autos foram conclusos para sentença em 17 de setembro de 2024, tendo sido prolatada no prazo legal.
Elabore sentença criminal, contendo relatório do processo, reportando-se a decisões interlocutórias proferidas, com a apreciação motivada de todas as matérias e questões inseridas na tese, com fundamentação objetiva e especificação de artigos da normativa de regência, súmulas e de princípios correlatos. Ao final, na parte dispositiva, especifique as providências judiciais e todas as suas consequências.
Importante: 1. Não se identifique; assine como juiz substituto. 2. A resposta deve ser fundamentada, de modo que a mera referência a entendimento jurisprudencial ou doutrinário, sem justificativa específica, não pontuará. 3. A mera citação de artigo legal, ou de resposta “sim” ou “não”, desacompanhada da devida justificativa, não garante a pontuação na questão.
(10 pontos)
(180 linhas)
A prova foi realizada com consulta a códigos e(ou) legislação.
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Hugo, José e Luiz, servidores públicos, foram denunciados por cobrarem vantagens indevidas a fim de praticarem ou deixarem de praticar atos de ofício, constituindo, assim, entre os três, uma organização criminosa. Foi demonstrado, objetivamente, haver entre os denunciados uma organização estruturalmente ordenada e com divisão de tarefas com o objetivo de praticar crimes de corrupção passiva (Art. 317 do CP).
Com base em tais fatos, foram dados como incursos nas penas do Art. 317 do CP e do Art. 2º da Lei nº 12.850/2013, em concurso material. A prova das acusações foi respaldada, exclusivamente, na palavra de Hugo, que celebrou acordo de colaboração premiada com o Ministério Público, devidamente homologado pela autoridade judiciária competente.
Na qualidade de advogado(a) constituído pelos acusados José e Luiz, responda às questões a seguir.
A) Qual é a tese de Direito Processual Penal apta a sustentar a rejeição da denúncia em relação a todos os delitos por ausência de justa causa? Fundamente. (Valor: 0,65)
B) Em relação ao delito de organização criminosa, qual é a tese de Direito Penal apta a sustentar a absolvição sumária? Fundamente. (Valor: 0,60)
Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.
(30 linhas)
A prova foi realizada com consulta a códigos e(ou) legislação.
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Mévio, processado na ação penal 000.000.000, perante a X Vara Criminal de Porto Velho (RO), por crime de organização criminosa, lavagem de dinheiro e roubo, firmou com o Ministério Público Estadual acordo de colaboração premiada, tendo apontado novos integrantes da organização, até então não identificados, bem como o maior beneficiário dos proveitos das práticas delitivas, igualmente desconhecido. Todavia, o Colendo Juízo da X Vara Criminal de Porto Velho (RO) rejeitou a homologação do acordo, ao fundamento de que as declarações de Mévio são irrelevantes ao deslinde da ação, que já conta com elementos de prova suficientes à condenação, restando inequívoco o intuito único de evitar a condenação. Na decisão, o Magistrado sustentou, ademais, que Mévio sempre negou a autoria delitiva, não se podendo dar credibilidade às novas declarações, prestadas com o fim claro de evitar a condenação ou buscar alternativas à pena privativa de liberdade que, fatalmente, seria bastante alta.
Diante da situação hipotética, na qualidade de membro do Ministério Público Estadual inconformado com a decisão proferida pelo Colendo Juízo da X Vara Criminal de Porto Velho (RO), apresente a peça cabível à irresignação.
(5,0 pontos)
(80 linhas)
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Sobre o Instituto da Colaboração Premiada, responda:
A - Se existe diferença com a Delação Premiada? (0.25 ponto)
B - Sobre a natureza jurídica; (0,25 ponto)
C - Sobre a Previsão no ordenamento jurídico brasileiro; (0,25 ponto)
D - Sobre a (Im)Possibilidade de combinação de leis; (0,25 ponto)
E - Sobre Plano de validade, existência e eficácia; (0,25 ponto)
F - Se um membro de Organização Criminosa, sob pretexto de agir em colaboração premiada, inserir dados capazes de embaraçar a persecução penal, qual é a consequência jurídica desse ato? (0,25 ponto)
G - Sobre prêmios ao colaborador: rol, limites e critérios para a escolha no caso concreto. (0,5 ponto)
(2 pontos)
(40 linhas)
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Considere a narrativa abaixo. Os dois primeiros parágrafos foram extraídos da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal. Os demais constituem descrição das diligências investigatórias, provas obtidas e atos funcionais e processuais praticados.
A partir disso elabore sentença de natureza criminal, abordando eventuais preliminares e, se o caso, as questões de mérito. E dispensado o relatório, podendo o candidato passar diretamente à fundamentação.
Em caso de condenação de um ou mais denunciados, prossiga com a dosimetria da pena.
Os elementos de prova existentes são aqueles indicados na descrição abaixo e o(a) candidato(a) deverá ater-se a eles na sua análise e fundamentação, não devendo criar fatos, locais ou personagens novos.
Para todos os efeitos legais a sentença está sendo prolatada na data de realização desta prova.
Antônio e Bernardo, no dia 20/12/2017, abordaram a vítima Célia, tesoureira da Caixa Econômica Federal da agência da rua do Sumidouro, quando esta saía de sua casa para o trabalho. A vítima foi obrigada a entrar em um veículo, onde estavam Daiane e Éverton. Daiane dirigiu o veículo, enquanto Éverton, com uma arma de fogo visível em sua cintura, passou a mostrar a Célia diversas fotos impressas de seus filhos em frente à escola onde estudavam, de seu marido entrando em seu local de trabalho, bem como da academia que a vítima frequentava. Éverton disse que conheciam sua rotina e que Célia deveria seguir as instruções do grupo. Colocou, então, um aparato que parecia ser uma bomba na cintura de Célia, entregaram-lhe um aparelho celular que ela deveria atender sempre que tocasse e disseram que ela deveria entrar na agência, abrir o cofre, pegar o dinheiro que ali havia, colocar em duas mochilas, juntamente com o aparelho celular, e entregar a um motoqueiro (Fábio) que estaria aguardando na saída da agência.
Célia, temendo por sua vida, subtraiu o dinheiro do cofre e o entregou ao motoqueiro.
Logo a seguir, comunicou os fatos à polícia. Uma viatura que estava próxima ao local conseguiu localizar um motoqueiro com características idênticas às descritas por Célia e tentou abordá-lo, mas este sacou uma arma de fogo e efetuou diversos disparos contra a viatura, tendo acertado um dos policiais de raspão no pescoço.
A seguir, o motoqueiro conseguiu fugir, mas deixou cair um aparelho celular, que depois Célia reconheceu como aquele que lhe fora entregue por Éverton. O celular não tinha qualquer tipo de bloqueio por senha.
A Polícia Civil instaurou o inquérito policial nº 123 para a apuração dos fatos. Foi encontrado, no aparelho apreendido, o registro de quatro ligações recebidas em horário pouco anterior à prática do crime, do terminal de nº XXXX-ZZZZ.
O Delegado solicitou à operadora os dados cadastrais do terminal XXXX-ZZZZ, constatando que a linha estava em nome de Daiane de Souza, requerendo em juízo um mandado de busca e apreensão para o endereço constante do cadastro. O pedido foi deferido pelo Juiz de Direito da 4º Vara Criminal, em decisão fundamentada.
Ao efetuarem a busca e apreensão, os policiais constataram que o número da casa 386, constante do mandado judicial, não existia, mas uma moradora da rua, questionada, indicou aos policiais a casa de Daiane, em cuja garagem uma moto estava estacionada. Os policiais apresentaram o mandado a Daiane e entraram no local, onde verificaram que a motocicleta era bastante distinta daquela que buscavam, mas encontraram munição de uma pistola automática, de uso restrito, de fabricação estrangeira. Indagada sobre os fatos, Daiane disse que a munição seria de seu sobrinho Gabriel, que não teria arma de fogo, mas importara a munição do Paraguai por curiosidade. Os policiais não encontraram arma de fogo no local.
Daiane foi reconhecida por Célia em sede policial e, alguns dias depois, firmou acordo de colaboração premiada, devidamente assistida por sua advogada, no qual delatou Antônio, Bernardo e Éverton. Disse, ainda, que manteve diversos contatos telefônicos com dois números de celulares, que pertenciam a Antônio e Everton, mas estavam ambos em nome de um primo de Antônio.
Este primo foi ouvido pela Polícia e afirmou que Antônio lhe havia pedido alguns meses antes cópias de seus documentos para aquisição de um celular, com o que aquiesceu. Quanto ao motoqueiro, Daiane afirmou não saber quem era, tampouco dispor de dados para sua localização. Foi estipulado no acordo de colaboração premiada que, caso as informações se revelassem eficazes para a obtenção de provas, a colaboradora poderia ter a pena reduzida em até 2/3, em regime inicial aberto.
Ao examinar o acordo de colaboração para fins de homologação, o Juiz de Direito da 4º Vara Criminal entendeu que os fatos não seriam de sua competência, em razão de terem sido praticados contra o patrimônio da Caixa Econômica Federal, determinando o envio dos autos à Justiça Federal.
No âmbito federal, o Ministério Público Federal requereu a homologação do acordo de colaboração já estabelecido. O Juiz Federal homologou a colaboração e, a seguir, o MPF requereu judicialmente os extratos telefônicos da linha utilizada por Daiane, bem como das duas linhas registradas em nome do primo de Antônio, relativos aos últimos 6(seis) meses. Requereu, ainda, os dados de localização dos 3(três) aparelhos na data dos fatos investigados, a partir dos dados de conexão ERB (Estação Rádio Base), o que foi fundamentadamente deferido. A seguir, os autos foram enviados para a Polícia Federal para a continuidade das investigações.
A análise dos extratos telefônicos confirmou a existência de ligações frequentes com os 2(dois) números de telefone celular registrados em nome do primo de Antônio. Os dados de localização revelaram que tais aparelhos, na data dos fatos apurados, estavam na área da residência de Célia no horário em que ela foi rendida, assim como o de Daiane. Mais tarde, um dos aparelhos em nome do primo de Antônio apareceu também em localidade próxima à agência bancária.
A seguir, Célia compareceu à Polícia Federal e reconheceu, por meio de fotografias, Everton, Antônio e Bernardo. O pequeno álbum que lhe foi apresentado continha unicamente as fotos desses três suspeitos.
A Polícia Federal requereu em juízo a prisão preventiva de Éverton e Antônio, com o que aquiesceu o Ministério Público Federal. O Juiz Federal, invocando a garantia da ordem pública, decretou a prisão de Éverton e Antônio, e também a prisão de Bernardo, pelas mesmas razões. Os habeas corpus apresentados pelos réus às instâncias superiores não lograram sucesso até o momento de prolação da sentença.
Os réus foram localizados e presos. A polícia verificou que contra Everton constava outro mandado de prisão em razão de condenação por crime de roubo, transitada em julgado em 10/11/2017. Ao efetuar a sua prisão, os policiais apreenderam uma mochila com características idênticas a uma daquelas utilizadas na prática delitiva apurada, sendo que posteriormente Célia reconheceu a mochila, que também aparecia em imagens do circuito de câmeras da agência bancária.
Descobriu-se, finalmente, que Fábio havia sido condenado juntamente com Éverton naquele mesmo processo (mencionado no parágrafo acima) por roubo, em razão de ter fugido com o produto do crime em uma moto. Ouvido, Fábio admitiu que tinha amizade com Éverton desde sua infância, mas negou a participação nos fatos.
O prejuízo da Caixa Econômica Federal foi calculado em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) e tal valor não foi recuperado.
Com base em tais elementos, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Antônio, Bernardo, Daiane, Everton e Fábio pelos crimes do art. 157, 832 clc o art. 14, Il e art. 158, 81º e 83º, primeira parte, todos do Código Penal, bem como do art. 288, parágrafo único do mesmo diploma. Gabriel, por sua vez, foi denunciado pela prática do delito do art. 18 c/c o art. 19, ambos da Lei nº 10826/2003.
A denúncia foi recebida pelo Juiz Federal em 20/02/2019. Os réus apresentaram resposta à acusação, por meio de seus defensores constituídos. O recebimento da denúncia foi confirmado e designadas datas para a instrução do feito.
Em juízo, Célia, ao depor e ver os seis réus sentados à mesa de audiência, afirmou reconhecer Éverton, Antônio e Daiane mas, quanto a Bernardo, disse não ter certeza de que fora um dos homens que a abordaram na saída de casa. Ela não reconheceu Fábio, afirmando que vira o motoqueiro apenas de capacete, e nem Gabriel.
Como testemunhas de acusação, depuseram em juízo os policiais que atenderam à ocorrência, inclusive aquele que foi ferido no tiroteio. Ele confirmou os fatos, mas não reconheceu qualquer dos réus como sendo o autor dos disparos. Foi arrolado igualmente pela acusação o primo de Antônio, que havia sido ouvido em sede policial, mas não foi localizado e o MPF veio a desistir de sua oitiva.
Em seguida, Daiane foi ouvida na condição de colaboradora e confirmou integralmente o teor da colaboração firmada anteriormente.
Em seus interrogatórios, os demais réus negaram os fatos.
Prova pericial que veio aos autos por meio de laudo concluiu que ao menos 8 (oito) tiros foram disparados pelo motoqueiro contra a viatura policial, 4 (quatro) deles tendo atingido o veículo na altura do vidro do motorista. Como já dito, o policial que estava conduzindo a viatura teve ferimento leve no pescoço, causado por um dos disparos que o atingiu de raspão, o que também foi objeto de laudo.
As folhas de antecedentes confirmaram a condenação de Éverton e Fábio por roubo, como já aduzido acima. Revelaram também que constava contra Antônio condenação pela prática de roubo, estando pendente recurso de apelação interposto pela defesa.
Em relação a Daiane, Bernardo e Gabriel, nada constava dos documentos.
Em memoriais, o Ministério Público Federal requereu a condenação dos réus, nos termos da denúncia. A defesa de Daiane alegou que sua participação foi de menor importância, além de ter cumprido a colaboração premiada integralmente, requerendo o perdão judicial.
As defesas de Antônio e Bernardo alegaram a nulidade do início da investigação em razão de ter sido realizada pela Polícia Civil, o que também macularia todos os atos seguintes. Antônio e Everton alegaram também a nulidade do ato de reconhecimento por Célia na fase policial, que teve como objeto o aludido álbum de fotografias.
Fábio afirmou que o acordo de colaboração premiada seria nulo, por ter sido firmado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, e não pelo Ministério Público Federal.
A defesa de Gabriel alegou a nulidade da busca e apreensão efetuada na residência de Daiane, uma vez que o mandado indicava residência com outra numeração.
Todos os réus, à exceção de Daiane, requereram a absolvição de todos os delitos, por ausência de provas.
Everton, Antonio e Bernardo reiteraram pedido de revogação da prisão preventiva.
(10 Pontos)
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Considerando-se a interpretação do Supremo Tribunal Federal acerca da colaboração premiada prevista na Lei 12.850/2013, responda aos questionamentos a seguir:
A - A regra de corroboração alcança a corroboração recíproca ou cruzada para permitir a condenação com base no depoimento do agente colaborador? Explique. Resposta em 10 linhas, no máximo. Valor da questão: 0,30.
B - A colaboração premiada é critério de determinação, modificação ou concentração de competência? Explique. Resposta em 10 linhas, no máximo. Valor da questão: 0,30.
C - Qual o tratamento processual que deve ser dado aos elementos de informação trazidos pelo colaborador a respeito de crimes que não sejam conexos ao objeto da investigação primária? Explique. Resposta em 15 linhas, no máximo. Valor da questão: 0,40.
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No interior de um coletivo, Alberto, João, Francisco e Ronaldo, até então desconhecidos, começaram a conversar sobre a crise financeira que assombra o país e sobre as dificuldades financeiras que estavam passando. Em determinado momento da conversa, Alberto informa que tinha um conhecido seu, Lucas, com intenção de importar uma arma de fogo de significativo potencial ofensivo, que seria um fuzil de venda proibida no Brasil, mas que ele precisava da ajuda de outras pessoas para conseguir a importação. Diante da oferta em dinheiro pelo serviço específico, todos concordaram em participar do plano criminoso, sendo que Alberto iria ao exterior adquirir a arma, João alugaria um barco para trazer o material, Francisco auxiliaria junto à imigração brasileira para que a conduta não fosse descoberta e Ronaldo entregaria o material para Lucas, que era o mentor do plano.
Após toda a organização do grupo e divisão de tarefas, assustado com as informações veiculadas na mídia sobre as punições de crime de organização criminosa, Francisco comparece ao Ministério Público com seu advogado e indica a intenção de realizar delação premiada.
Participaram das negociações do acordo Francisco, sua defesa técnica, o membro do Ministério Público com atribuição e o juiz que seria competente para julgamento, sendo acordada a redução de 1/3 da pena em relação ao crime de organização criminosa.
Após ser denunciado junto com Alberto, João, Ronaldo e Lucas pela prática do crime de organização criminosa (Art. 2°, da Lei nº 12.850/2013), Francisco contrata você, como novo(a) advogado(a), para patrocinar seus interesses.
Na condição de advogado(a) de Francisco, com base apenas nas informações narradas, esclareça os itens a seguir.
A) Considerando que aquela delação premiada não seria benéfica ao seu cliente, existe argumento a ser apresentado em busca de desconstituir o acordo celebrado quanto ao seu aspecto formal? Justifique. (Valor:0,65)
B) Qual argumento de direito material deve ser apresentado para questionar a capitulação jurídica realizada pelo Ministério Público na denúncia? Justifique. (Valor: 0,60)
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Delação e Colaboração premiada. Conceitos e limites.
(40 pontos)
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Ronaldo foi denunciado pela prática do crime de integrar organização criminosa por fatos praticados em 2014. Até o momento, porém, somente ele foi identificado como membro da organização pelas autoridades policiais, razão pela qual prosseguiu o inquérito em relação aos demais agentes não identificados. Arrependido, Ronaldo procura seu advogado e afirma que deseja contribuir com as investigações, indicando o nome dos demais integrantes da organização, assim como esclarecendo os crimes cometidos.
Considerando apenas as informações narradas, responda aos itens a seguir.
A - Existe alguma medida a ser buscada pelo advogado de Ronaldo para evitar aplicação ou cumprimento de pena no processo pelo qual foi denunciado? Em caso positivo, qual? Em caso negativo, justifique. (Valor: 0,65)
B - É possível um dos agentes identificados por Ronaldo ser condenado exclusivamente com base em suas declarações? Fundamente. (Valor: 0,60)
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No dia 24 de dezembro de 2014, na cidade do Rio de Janeiro, Rodrigo e um amigo não identificado foram para um bloco de rua que ocorria em razão do Natal, onde passaram a ingerir bebida alcoólica em comemoração ao evento festivo. Na volta para casa, ainda em companhia do amigo, já um pouco tonto em razão da quantidade de cerveja que havia bebido, subtraiu, mediante emprego de uma faca, os pertences de uma moça desconhecida que caminhava tranquilamente pela rua. A vítima era Maria, jovem de 24 anos que acabara de sair do médico e saber que estava grávida de um mês. Em razão dos fatos, Rodrigo foi denunciado pela prática de crime de roubo duplamente majorado, na forma do Art. 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal.
Durante a instrução, foi juntada a Folha de Antecedentes Criminais de Rodrigo, onde constavam anotações em relação a dois inquéritos policiais em que ele figurava como indiciado e três ações penais que respondia na condição de réu, apesar de em nenhuma delas haver sentença com trânsito em julgado. Foram, ainda, durante a Audiência de Instrução e Julgamento ouvidos a vítima e os policiais que encontraram Rodrigo, horas após o crime, na posse dos bens subtraídos. Durante seu interrogatório, Rodrigo permaneceu em silêncio. Ao final da instrução, após alegações finais, a pretensão punitiva do Estado foi julgada procedente, com Rodrigo sendo condenado a pena de 05 anos e 04 meses de reclusão, a ser cumprida em regime semiaberto, e 13 dias-multa. O juiz aplicou a pena-base no mínimo legal, além de não reconhecer qualquer agravante ou atenuante. Na terceira fase da aplicação da pena, reconheceu as majorantes mencionadas na denúncia e realizou um aumento de 1/3 da pena imposta.
O Ministério Público foi intimado da sentença em 14 de setembro de 2015, uma segunda-feira, sendo terça-feira dia útil. Inconformado, o Ministério Público apresentou recurso de apelação perante o juízo de primeira instância, acompanhado das respectivas razões recursais, no dia 30 de setembro de 2015, requerendo:
i) O aumento da pena-base, tendo em vista a existência de diversas anotações na Folha de Antecedentes Criminais do acusado;
ii) O reconhecimento das agravantes previstas no Art. 61, inciso II, alíneas ‘h’ e ‘l’, do Código Penal;
iii) A majoração do quantum de aumento em razão das causas de aumentos previstas no Art. 157, §2º, incisos I e II, do Código Penal, exclusivamente pelo fato de serem duas as majorantes;
iv) Fixação do regime inicial fechado de cumprimento de pena, pois o roubo com faca tem assombrado a população do Rio de Janeiro, causando uma situação de insegurança em toda a sociedade.
A defesa não apresentou recurso. O magistrado, então, recebeu o recurso de apelação do Ministério Público e intimou, no dia 19 de outubro de 2015 (segunda-feira), sendo terça feira dia útil em todo o país, você, advogado(a) de Rodrigo, para apresentar a medida cabível.
Com base nas informações expostas na situação hipotética e naquelas que podem ser inferidas do caso concreto, redija a peça cabível, excluída a possibilidade de habeas corpus, no último dia do prazo, sustentando todas as teses jurídicas pertinentes.
(Valor: 5.00)
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